A ave de cristal
Acalântis: Maldito seja o dia em que desejei demais.
Pavão Branco: Não diga isto nossa Deusa, o erro foi nosso em te deixar sozinha. Naquela noite fomos para a outra parte da floresta para resolver a briga entre araras e flamingos, não tínhamos idéia do risco que a senhora corria.
Pavão Negro: Só de pensar que seu maior desejo foi sua maior maldição, fico receoso de cobiçar algo. Foi crueldade, nós sabemos disto, não foi sua culpa Acalântis.
Acalântis: Sim, foi sim. Não sei como fui cometer tal burrice, vivo a milhares de anos nesta floresta. Aves, pássaros e águias me trazem informações do mundo todos os dias, sou de certo a criatura mais sábia que já existiu, sei de tudo o que se passa no mundo e mesmo assim, não fui capaz de perceber a astúcia de Moneta.
Pavão Branco: Tenha calma, hoje é noite de lua cheia, noite de fazer pedidos, quem sabe hoje você não é atendida pela lua.
Acalântis: Deixa-me perguntar a vocês, o que vocês desejam nas noites de lua cheia? É aprender a voar de certo, não é? Aves que nunca voaram na vida devem querer saber como é ao menos uma vez sentir o vento batendo nas penas, erguer vôo, sobrevoar as montanhas esbranquiçadas pela neve. Digam-me.
Pavão Negro: Deve ser tão difícil para você, a vista lá de cima deve ser belíssima.
Acalântis: Faz oito anos que eu não ergo vôo! Oito anos que não sou livre da terra! Oito anos de pesadelo.
Pavão Branco: Mas eu continuo sem entender, por que você fez tal pedido à Moneta, se já era antes a ave mais bela de todas? Não existia ninguém mais bela que você.
Acalântis: Dizem isto por bondade, mas eu sempre invejei vocês dois. Você é albino, tão branco que quando a luz do sol te atinge, você a irradia e brilha belamente, já você é tão negro que nas noites sem lua chega a desaparecer na escuridão. Sempre houve aves mais belas que eu. Com mais cores e traços, mas hoje eu sei que é impossível que haja criatura mais bela que eu, sou feita de cristal, mas este parece ficar mais pesado a cada dia que se passa, me prendendo mais ainda a terra.
Pavão Branco: O cristal está se tornando diamante, seu brilho está mais intenso e belo a cada dia que passa, minha deusa.
Pavão Negro: Mas também é por isto que está se sentindo mais pesada. O diamante é o tipo de gema mais dura na Terra e também a mais bela, fique tranqüila em relação a sua beleza, minha deusa, suas penas são de formato único, sua crista tão mais bela de qualquer outra.
Acalântis: Se vocês soubessem a dor de ser banida dos céus, perceberiam que nada disso mais importa. Nunca mais irei dominar o céu como fazia antes, jamais voarei sobres os vales floridos do oeste, sobres as cachoeiras dos lagos ao norte, sobre as imensas árvores ao sul e nem sobre as montanhas ao leste. Do que adianta ser dona de um reino tão grande, com tanta coisa bela para se ver, e ficar aqui, presa. Apenas escuto das maravilhas que acontecem mundo a fora, mundo este que não mais me pertence.
Pavão Branco: Não diga isso, Isso não te faz de menos Deusa, minha senhora.
Acalântis: Como não? Como alguém pode ser Deusa de algo de que não se pode mais dominar?
Pavão Negro: O céu já é tão seu que ninguém mais te tira, não há criatura no mundo que consiga governar tanta imensidão como você. Todos te conhecem e sabem quem você é e quem você sempre será.
Acalântis: E se eu passasse o meu reinado para outra? E se eu morresse?
Pavão Negro: A senhora nunca morrerá! Cristais só ficam mais brilhantes e fortes com os anos, este reino será seu para sempre.
Acalântis: E se as aves começarem a me respeitar menos ao passar dos anos? E se me julgassem menos deusa por não dominar os céus?
Pavão Branco: Acalântis, mas que vergonha! Uma Deusa com dúvida sobre si mesma! Onde está seu orgulho, sua virtude? Milhares de anos governando os céus, dando ordens e cuidando de cada problema, agora quando o problema é seu não consegue resolvê-lo? Onde está a Acalântis de sempre?
Pavão Negro: Não importa o que digam, não importa o que pensam, durante milhares de anos você foi rainha e Deusa, por todo o seu legado, ninguém duvidou da senhora e assim continuará.
Acalântis: Sim, claro! Afinal eu sou a mais bela de todas, não é verdade? A mais sábia, a mais gentil, não deixarei ninguém tomar o meu lugar, vocês estão certos, me fazer duvidar de mim mesma faz com que todo o reino pense isto também, mas agora não.
Pavão Negro: Isso mesmo, é assim que se deve pensar! Ninguém é tão soberana quanto você!
Pavão Branco: Você sempre será a nossa Deusa, a nossa Rainha, sempre será a Deusa de todas as aves, governanta dos céus e dos saberes. Essa é quem você é, quem você nasceu para ser!
Acalântis: Sim. Vamos fazer os pedidos à lua cheia, ela chegou ao seu cume.
Pavão Branco: Só tome cuidado com o que deseja...
Acalântis: Sim, pois sei bem que todo pedido há o seu preço.
“Eu desejo erguer vôo novamente, ir para os céus como nos velhos tempos, ser livre. Se eu erguesse vôo pelo menos uma vez, já seria o suficiente, as saudades que as nuvens me fazem, de chegar mais perto da lua e do sol, de voar com as estrelas brilhando. Seria tão bom. Eu desejo apenas mais vez, mais um único bater de asas, nem que ao meu pouso, a morte fosse eminente, pois preferiria morrer para voar e me sentir viva nos céus do que viver para ficar na terra e me sentir morta a cada passo. Que assim seja. Que assim se faça. Devolva minhas penas Moneta!”
Acalântis.
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