Química Surreal

 

   Em um meio avermelhado e aquoso, enormes bolhas se juntam para se conectarem de um lugar a outro e uma profunda caverna enrugada serve como lar para uma estranha criatura. De formato único, cabeça em formato de coração, mãos sem dedos e sem pés, parece flutuar pelo meio aquoso com facilidade, ele cuida de algumas plantas que nascem dentro da caverna, no chão, no teto, saindo das paredes e aumentando de quantidade à medida que a caverna se escurece.
   Ao esfregar suas mãos, uma na outra, uma estranha reação química acontecia, um tipo de pó vermelho saia delas e aquilo servia de alimento para as plantas. A cada dia uma quantidade indeterminada de pó era feito. Como eram muitas e muitas plantas e mesmo assim não conseguia chegar até o fundo da caverna para alimentar todas, ele jogava alguma quantidade em direção ao fundo com esperança de alimentar as que faltavam.
   Ao terminar seu trabalho, parava e assistia o que acontecia fora dali, em um mundo onde não parecia parar nunca, sempre a trabalho e tudo continuava vermelho. Formas estranhas passavam por ali, às vezes sozinhas e outras vezes em bando. Sentado na beira da caverna, sentiu o chão tremer, achou estranho, nunca tinha acontecido antes, tremeu mais um pouco e ele se levantou, então a caverna se fechara como se fosse uma enorme boca.
   Ele ficou de fora e todas as suas plantas dentro, desesperado, batia com sua mão entre uma junção e outra, mas nada a abria. Começou esfregar suas mãos, liberando o pó, na tentativa de abrir a caverna, mas não funcionou.
   Rondando em círculos, pensando no que fazer e assistindo a todo e qualquer movimento naquele lugar, viu que nem mais tudo era vermelho, algumas linhas escuras e pretas começavam a aparecer e pareciam querer consumir todo o espaço.
   Sua caverna começou a ficar negra e a cada instante que se passava, mais escura ela ficava. Formas estranham não passavam mais, sentia-se sozinho e percebeu a entrada da depressão. O pó que saia de suas mãos já não mais adiantava e nada parecia ser a resposta.
   Resolveu sair dali, procurar algo que ajudasse em outro lugar, flutuou para longe e ninguém mais encontrava, aquele mundo agitado e cheio de vida não mais existia. Logo pensou que deveria ir embora também, mas ir para onde? No fim, acabou voltando para a frente da caverna.
   Olhando o lugar que antes era vermelho e agora era negro, pensava como poderia mudar aquilo, parecia que algo o estava matando pouco a pouco. A caverna começava a se encolher e parecia cada vez mais enrugada e velha. Em uma última tentativa, esfregou suas mãos e o pó que era vermelho estava negro, como todas as outras coisas, a criatura se sentia mais negra.
   Ao ver aquilo, percebeu que algo havia mudado, não só a cor do pó que saia de suas mãos, mas também a química dentro dele. Pensou: Se o lugar mudou a minha química, talvez se eu mudar a minha química, eu mude o lugar.
   Então ele fechou seus olhos para olhar dentro de si, pesquisando o que era razão e o que era sentimento, o que ajudava a melhorar e o que podia piorar, a cada novo pensamento, forçava um outro sentimento e esfregava suas mãos, depois de um tempo, o pó ficara verde.
   Voltou para a frente da caverna e então espalhou sua nova química, mas nada aconteceu, ainda não era aquela química que mudaria aquele lugar. Tentando e tentando, conseguiu fazer um pó amarelo, que também não adiantou, mas quando fez um que era azul, a caverna balançou.
   Animado com a resposta, fez mais e mais daquele pó, espalhava por todos os lugares e logo ele percebeu que tudo ficara azul, então, pouco a pouco, a caverna foi voltando ao tamanho normal e quando ela abriu uma pequena fresta, colocou seu pó e soprou ele para dentro dela, instantaneamente ela se abriu por completa e viu que todo o seu interior havia ficado azul.
   A manchas negras desapareceram e logo aquele meio aquoso voltara a ativa. Finalmente aliviado, sentindo-se novamente em casa e seguro, foi quando pensou que, talvez, um dia tudo deixaria de ser azul, como deixou de ser vermelho, e ele teria de mudar novamente. Mudar não, renovar. Aliás, ninguém o tiraria de lá, pois lá não havia sem ele. 

 

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