Um Paraíso chamado Manicômio

 

 

   Em uma sala cheia de estantes com livros velhos, móveis de madeira e quadros nas paredes, um homem vestido de branco, sentado de um lado da mesa em sua poltrona, diz a um rapaz:
   - Você não pode ficar aqui, não é o seu lugar.
   O homem aparentando ser jovem, com uns vinte e cinco anos de idade, insiste em sua ideia:
   - Mas eu quero ficar aqui! Vocês tem quartos disponíveis e eu pago o que for necessário.
   - Mas isto não é um hotel, é uma casa de tratamento psicológico. É um hospital.
   - É um manicômio, eu sei, mas mesmo assim eu quero ficar aqui. Eu quero ser louco.
   - Ser louco não é uma questão de escolha, algumas vezes a loucura é inevitável, ninguém escolhe ser louco.
   - Ninguém escolheu ser louco até hoje, eu quero ficar aqui porque eu quero ser considerado louco e agir como um.
   - Pessoas normais tem medo destes lugares e os loucos só querem fugir daqui, ninguém no mundo quer morar em um manicômio. Isto é lou...
   - Loucura? Já tem motivos o suficiente para me deixar ficar?
   O doutor suspira, pega sua caneta do bolso do jaleco branco, coloca sobre a mesa e depois pergunta:
   - Por que você não quer ser visto como alguém normal?
   - Normal? Ser mais um normal no meio da multidão? Ser ofuscado por milhões de iguais? Não, obrigado.
   - Tudo bem, te deixo ficar apenas um dia, ninguém saberá que está aqui por livre e espontânea vontade e será tratado como louco e você pode começar a agir como tal quando quiser.
   O Doutor liga o interfone sobre a mesa e pede para as enfermeiras comparecerem ao escritório para levar o novo paciente aos aposentos. Elas chegam e acompanham o homem até seu quarto, pelo caminho eles passam por corredores largos e que dão passagens para enormes jardins gramados, cheios de árvores frutíferas, com cavaletes, telas e instrumentos musicais por todas as partes. Os loucos pareciam se divertir com toda aquela simplicidade.
   Enfim em seu aposento, as enfermeiras lhe deram uma roupa apropriada, uma espécie de camisola branca que ia até os pés e com um bolso na lateral esquerda, e depois saíram do quarto.
   Animado com a possibilidade de ser considerado louco, logo saiu do aposento e foi até um dos jardins para correr sem nenhuma direção, não se importou com nada e se ninguém estava olhando, corria de braços abertos e pulava, ria sozinho e rodava olhando para o céu, sem inibição nenhuma, deixou a felicidade de ser louco “rolar solta”.
   Depois de um tempo, deitou na grama para assistir o que se passava por ali, alguns loucos caminhavam, outros ficavam parados no lugar durante horas, mas tinha um que tocava piano de maneira esplêndida, sem precisar de partitura e nada, apenas deixava suas mãos flutuar sobre as teclas. Estranhou, ele parecia ser completamente lúcido ao tocar piano.
   Depois olhou para outro que pintava uma tela ao mesmo tempo em que parecia dançar com os pinceis cheios de tintas nas mãos e outros dois na boca, fazia traços largos e aleatórios, realmente parecia que a obra iria terminar como simples rabiscos, mas ao chegar perto para ver, uma linda imagem de uma mulher de cabelos ao vento com árvores ao redor.
   Alguns pareciam ficar lúcidos quando mexiam com algum tipo de arte, seria esta uma possível cura? Ou arte já é um pedaço de loucura? De repente sentiu um forte empurrão pelas costas que o fez cair de cara no chão, ao levantar e ver que um homem com a mesma roupa branca que a sua, que coçava a cabeça e puxava os cabelos, o olhava estranhamente e dizia baixinho:
   - Você não pode ficar aqui, você não e um de nós, não é... um de nós, não é.
   Depois ele saiu andando lentamente e com uns tiques na cabeça, uma mulher chegou e perguntou:
   - Você está bem? Se machucou?
   Ao olhar para ela, viu que não era enfermeira e nem estava com roupa de paciente, um crachá com sua foto informava que era psicóloga, então respondeu:
   - Bem sim, machucado não...
   - Você não é louco, é?
   Ele ficou sem palavras e antes que abrisse a boca para responder qualquer coisa uma enfermeira apareceu e disse:
   - Hora de almoçar e de tomar os remédios... Vamos?
   Ele faz um sinal positivo para a enfermeira e a segue, deixando a psicóloga sem a resposta e desconfiada. No refeitório, cada um tinha sua refeição apropriada, calculada e na medida exata. Ele sentou-se com sua bandeja em uma mesa que dava vista para todo o lugar, para que pudesse assistir a todos os acontecimentos. Na primeira garfada que deu em seu macarrão, um pouco de molho caiu em sua roupa e quando tentou limpar, sujou mais ainda, mas ficou tão interessante aquele formato que se formou que lhe deu uma ideia: Desenhar com o macarrão.
   Em poucos minutos, sua mesa inteira estava coberta de molho vermelho e macarrão por todas as partes, até parecia um desenho em xilogravura. Quando percebeu, alguns pacientes e enfermeiras estavam assistindo o que ele fazia. No fim, não almoçou e ainda teve que trocar de roupa, pois a sua estava completamente suja de molho.
   Mais de tarde, após passear por todos os lugares possíveis, só restava um lugar que ele queria conhecer, um lugar onde ele poderia se assumir como louco, a solitária. Mas o que fazer para ser amarrado em uma camisa de força e jogado dentro de uma? A briga e agressão a alguém é considerado a maior demonstração de irracionalidade que alguém possa fazer, mas quem seria a vítima de tal loucura?
   Aquele cara que o tinha empurrado parecia ser um bom alvo, mas então entrou em outra contradição, não é só porque se assumia como louco que se permitiria prejudicar alguém. Entre o querer e o precisar o que pesa mais na balança loucura? Então começou a pensar se havia outro nível de ação que o levaria à solitária, pensou que a autoagressão poderia ser uma ótima tentativa e ainda não prejudicaria ninguém. 
   No instante que estes pensamentos terminaram de passar por sua mente, ele correu em direção a uma parede, gritando, e se jogou com toda a força nela, depois de cair no chão e ver alguns enfermeiros observando sua reação, logo levantou e partiu em disparada na direção de outra parede. Três enfermeiros correram para impedi-lo de continuar o até e a psicóloga apareceu para assistir ao escândalo.
   Imobilizado pelos enfermeiros, a psicóloga aproximou e disse:
   - Levem-no para a enfermaria e lhe coloque uma camisa de força.
   Sentado em uma maca de metal, com uma camisa de força, uma enfermeira cuidava dos recentes hematomas enquanto a psicóloga assiste. Depois de terminar o trabalho, a enfermeira sai e só ficam os dois na pequena sala. Ela começa a ronda-lo com seu olhar intimidador, ele fica parado e olha de cabeça baixa.
   Então ele deita na maca e se encolhe, ela para de andar, se aproxima e pergunta:
   - Você acha que isto é uma brincadeira? Que é divertido? Pois então eu lhe darei o que você quer!
   Ela se afasta e abre a porta, depois chama dois enfermeiros e pede para levá-lo a uma solitária. Então ele é arrastado até um corredor cheio de portas, eles abrem uma e o jogam lá dentro. Cerca de um metro quadrado, escuro e estofado, aquela solitária relembrou de algo que ele não sabia que ainda tinha, o medo.
   Com um lugar completamente claustrofóbico e escuro, nenhuma noção ou razão adiantava, as horas se passavam sem percepção, mas a demora a porta abrir parecia ser secular. Não gostou daquele lugar, foi a primeira vez que se sentiu sujo e cansado. Saturado de tanto vazio, seus gritos não faziam efeito e se perdiam no silêncio infinito daquela escuridão.
   Depois de doze horas a porta se abriu, o clarão incomodou seus olhos e ele foi tirado de lá. Levado direto para a sala do doutor que lhe deixara passar o dia lá dentro. Tiraram a camisa de força e deixaram os dois a sós. Vendo o estado que ele se encontrara, perguntou:
   - Como foi seu dia? Vejo que foi louco o suficiente...
   - Suficiente? Não sei se há limite para a loucura, até mesmo porque quando quebramos conceitos e parâmetros é a primeira coisa de que nos chamam é de loucos.
   - Com certeza não há limites para a loucura, ela é “auto criadora”, se inova de tempos em tempos, mas há patamares, por mais que mutáveis, há colocações para a loucura e até regras.
   - Sim, existe apenas uma, um louco de verdade não sabe que é louco, mas quando você percebe sua loucura e você se assume louco, exatamente o que você fez hoje, você se assume louco.
   - Então, teoricamente, não há como escapar da loucura... Se você não aceita a sua loucura, você automaticamente comete um ato de loucura e se você se assume louco, não há mais volta.
   - Isso mesmo, somos todos loucos. A única diferença entre aqui e lá fora é o patamar. Então, me diga, quer continuar aqui ou quer enfrentar a loucura aceitável lá de fora?
   - Eu quero ficar. Você me deixaria ficar?
   - Talvez por mais uma semana, mas vou logo avisando que nossa psicóloga não gostou nada da ideia. Mas eu tenho um plano para você.
   Depois de alguns minutos, o homem é levado à uma sala e trancado dentro dela, sozinho. Ao contrário da solitária, era um espaço enorme e tudo iluminado em branco, não parecia ter paredes, nem teto, nem chão e nem fim. Lugar tão surreal que não existia sombra para ser temida. Nenhuma barreira colocada pela razão, aquele lugar foi o ápice da loucura. Mais do que quebrar as barreiras, seria loucura o sinônimo de liberdade? Foi isto o que aquele jovem sentiu naquela sala. Liberdade de escolha, de ato e de existência. 

 

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