Vício

 

 

   Uma criatura de corpo humanóide, esquelético e amarronzado. Na cabeça, possuía espinhos compridos que pareciam agulhas. Caminhava pelos esgotos dia e noite, comendo os ratos que encontrava. Uma vez, parou para observar de dentro de um bueiro duas pessoas que fumavam, seus olhos arregalados aparentavam desejar muito imitar as duas pessoas. Ele achava que seria legal colocar aquele objeto estranho na boca e soltar aquela fumaça. Então, uma das duas pessoas jogou uma bituca acesa perto do bueiro. Aguardou eles saírem, com cautela, pegou o resto de cigarro e, sem saber manusear direito, se queimou com a ponta acesa, no reflexo, o deixou cair na água suja que passava ao seu lado. Pegou a bituca novamente, colocou-a na boca e tentou fumar. Não conseguiu, estava apagado.
   Continuou andando e olhando de cada bueiro se havia mais pessoas fumando por perto para que pudesse fazer uma nova tentativa. De noite, ainda procurava uma oportunidade. Em um bueiro próximo a um bar, tinha uma festa e muitas pessoas fumando por sinal. Ele ficou ali na espera, quando uma bituca veio rolando e caiu aos pés da criatura. Ela observava as pessoas para fazer igual e não se machucar desta vez. Pegou o resto de cigarro e deu sua primeira tragada. Tossiu fortemente, mesmo assim queria mais. Deu outra tragada e soltou a fumaça. Maravilhado com o grande feito, queria mais. Então, ele ouviu o barulho de um Motor. Uma moto que passava, parou próxima ao bueiro e, ao frear, uma caixinha com cigarros escapuliu pela entrada do bueiro, a criatura a pegou,  a abriu e viu 7 cigarros e um isqueiro. Arregalando os olhos, correu dando saltos de felicidade para longe dali. Sentou, pegou o isqueiro e ascendeu um cigarro, sabia como fazer, tinha visto por quase um dia inteiro.
   A cada tragada, a cada baforada solta, a criatura se sentia cada vez melhor e balançava seu estranho corpo demonstrando isto. Hipnotizado pela fumaça meio azulada do cigarro, ele viajava em seu inconsciente. Fumou um, fumou outro, fumou todos os cigarros seguidamente, sem parar. Algumas vezes fumou dois de uma vez só, fez brincadeiras com a fumaça, se divertiu como nunca. Agora que tinha acabado, ele continuava querendo mais, precisava de mais, faria qualquer coisa para ter mais. Voltou para aquele bueiro onde teve tanta sorte. Não viu mais ninguém, a festa tinha terminado e ele não conseguiria mais cigarro daquela maneira ali. Mas algum lugar por ali deveria ter cigarros, deveria. Ele saiu do bueiro. As ruas estavam desertas. Olhando em todas as direções, avistou dentro do bar uma vitrine cheia de cigarros. Ele queria, precisava. Olhando pela porta de vidro, ficava com cada vez mais vontade, tentava abrir a porta, empurrá-la, atravessá-la de qualquer maneira, não conseguia. Começou a bater sua cabeça no vidro repetitivamente, pouco a pouco, o vidro rachou e se quebrou. Ele continuou a bater com a cabeça até fazer uma abertura onde desse para ele passar. Fez barulho e não se importou.
   Entrando no bar, arregalou os olhos vendo a vitrine que ficava próxima ao balcão e uma escada. Tudo estava escuro e silencioso. Ele avançou em um salto na vitrine, pegou todos os cigarros que conseguiu e de tanta sede ao pote, não esperou para fumar, foi logo colocando-os na boca e mastigando o tabaco. Enfiava os cigarros goela a baixo em plena loucura. Ouviu um barulho vindo da escada, alguém tinha acordado no andar de cima. A criatura se escondeu atrás do balcão e viu um homem barrigudo e careca descendo com um taco de baisebal nas mãos. Ele foi direto para o balcão, ver os estragos.
   Começou a pegar os cigarros que ainda restavam para guardar lá em cima. A criatura enlouqueceu, ela queria aqueles também, faria de tudo para tê-los, largou os que estavam em seus braços, subiu no balcão e saltou em cima do homem que, pego de surpresa, nada conseguiu fazer. A criatura enlouquecida apertou com as duas mãos a face do homem, com os seus dedos, perfurou seus olhos e depois partiu a cabeça do careca ao meio. Os miolos do cérebro espalhados pelo chão eram coisa nova para ele. Teve a idéia de pegar um cigarro, esfregar no sangue e nos miolos e depois acender. O fez, na baforada viu uma fumaça vermelha saindo de sua boca, com os olhos arregalados, demonstrava sentir mais prazer em fumar, pegou uns cigarros e misturou com aquilo tudo no chão e comeu, começou a dar pequenos pulos, demonstrando certa alegria. Estava gostando daquilo.
   De repente, alguém deu uma enorme pancada em sua cabeça, os espinhos que tinha na cabeça, entraram em seu esqueleto e o mataram. Ele caiu ao lado do corpo do homem. A mulher do careca gordo estava com o bastão de baisebal em mãos, ensangüentado. Ela continuou a bater na criatura, possuída pela raiva e não parou até ver a sua filha de 3 anos assistindo à cena da escada. A mãe largou o bastão e foi em direção à filha para consolá-la, mas a criança, com medo, correu da mãe e se trancou no quarto, escondeu-se atrás da cama e lá começou a reviver as memórias da cena que acabara de assistir.
 
 

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Comentários:

Vício

Pâmela Carvalho | 16/02/2011

Eu já havia lido este texto antes e só posso dizer que existem coisas que só o criador entende, porém gostaria de deixar aqui o meu ponto de vista que pode não ter nada a ver mas foi o que eu pude refletir: A criatura de corpo humanóide, esquelético e amarronzado ... etc , não é um ser surreal é o próprio Vício, deu para entender??? Ou eu fantasiei de mais?

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