Caninos Brancos

Caninos Brancos

 

*Nota da escritora: As minhas críticas e comentários podem e certamente irão conter muitos spoilers sobre a história. Se não quiser sofrer com isso, leia o resumo da crítica no início da página.
 
Caninos Brancos
Autor: Jack London
Editora: Melhoramentos
Primeira publicação em: 1906
Resumo da crítica: Caninos Brancos conta a história de vida de um lobo que possui um quarto de sangue canino. A narração se passa no Alasca na época da corrida do ouro. O autor descreve e personifica o ambiente hostil e selvagem do extremo norte, denominando-o o Wild, que, muitas vezes durante a narração do livro, é tratado como uma entidade, um espírito que habita os animais selvagens, que domina a terra e arrepia de terror as criaturas de fora. São narradas as primeiras experiências do lobinho em um mundo completamente desconhecido e ameaçador, e, apesar de toda a história ser contada a partir do ponto de vista do lobo, o autor não humaniza os pensamentos do animal em momento algum. Sua inteligência melhorava através da observação e da experimentação prática, e não através do raciocínio, como aconteceria com um ser humano. O lobinho logo aprende a resumir a vida através de uma lei muito simples e cruel: coma ou será comido, pois o Wild não conhece o que é justiça, conhece apenas a lei do mais forte. Os humanos têm parte essencial na história também, pois ainda filhote conhece a superioridade desses seres magníficos e poderosos, descritos pelo autor como deuses a quem Caninos Brancos deveria prestar obediência e devoção. Uma história linda, perfeita para amantes da leitura e para amantes dos animais !
Crítica completa:
   Primeiramente, gostaria de falar especificamente sobre a edição que li, da editora Melhoramentos, que lançou uma coleção chamada “Obras-Primas Universais”. Essa é uma edição com folhas de excelente qualidade e que possui ilustrações lindas, além de inúmeras fotos e gravuras referentes à vida e aos costumes do local onde a história se passa. Junto com as gravuras também há comentários e explicações realizados por um professor de antropologia, o que deixa a leitura muito mais rica e nos acrescenta conhecimentos que auxiliam a compreender os contextos da época em que o livro foi escrito.
   Sobre o livro, Caninos Brancos conta a história de vida de um lobo que possui um quarto de sangue canino. A narração se passa no Alasca na época em que a corrida do ouro atraía muitos americanos ao recém-novo estado da América, pois ali se descobriu grande quantidade de ouro e o garimpo tornou-se uma profissão altamente procurada.

   O livro é dividido em cinco partes, sendo que na primeira delas o autor descreve e personifica o ambiente hostil e selvagem do extremo norte, denominando-o o Wild, que, muitas vezes durante a narração do livro, é tratado como uma entidade, um espírito que habita os animais selvagens, que domina a terra e arrepia de terror as criaturas de fora.  Jack London descreve o Wild dizendo que “havia nele uma insinuação de riso, mas de um riso mais terrível do que qualquer tristeza”. Um lugar muito duro, que moldava a argila do espírito dos que ali viviam de forma cruel e impiedosa.
   A narração inicia-se com a grande dificuldade que os americanos encontravam ao aventurarem-se pela imensidão do Wild. O frio, a escassez de comida, as longas distâncias...  e os lobos. Os dois personagens iniciais enfrentam horrores ao serem perseguidos dia e noite por uma matilha faminta de lobos liderada por uma loba de pelo avermelhado. Os animais são descritos como esqueléticos, porém incansáveis e implacáveis em sua busca por alimento e sobrevivência. Ao final da primeira parte, os lobos retornam à floresta para retomar a caçada.
   Na segunda parte do livro, o autor descreve o dia-a-dia da loba avermelhada, que encontra um parceiro e, juntos, seguem caminho sem a matilha, pois esta se divide ao longo da narração. A loba chega a dar cria, porém o inverno rigoroso e a escassez de comida levam embora seu parceiro e praticamente toda a sua ninhada, deixando-a apenas com um filhote cinzento. A história passa a descrever a busca dela por manter o filhote a salvo, porém ele, dominado pelos instintos e pelo espírito do Wild que existe em seu sangue, sai em busca de aventuras fora da toca e descobre o mundo.

   Essa parte do livro é muito interessante, pois são narradas as primeiras experiências do lobinho em um mundo completamente desconhecido e ameaçador. Porém o lobinho é muito inteligente, e logo começa a classificar as coisas que aprende. Uma peculiaridade da narração de Jack London que me deixou fascinada é que, apesar de toda a história ser contada a partir do ponto de vista do lobo, o autor não humaniza os pensamentos do animal em momento algum. O lobo era um lobo, e pensava como tal. Portanto, quando as coisas aconteciam em sua vida e ele adquiria a experiência, ele aprendia que essas coisas simplesmente aconteciam sem se questionar o porquê ou como. Sua inteligência melhorava através da observação e da experimentação prática, e não através do raciocínio, como aconteceria com um ser humano. E o lobinho foi crescendo, sempre observado pela mãe de perto. Outro detalhe muito interessante nessa parte é que o lobinho logo aprende a resumir a vida através de uma lei muito simples e cruel: coma ou será comido. Dessa forma, por vezes o leitor fica dividido, pois é descrita a grande fome dos lobos e o sofrimento que ela lhes causa, mas também é descrito o grande sofrimento que sofrem os animais que eles comem para sobreviver. E não há como torcer por um ou por outro. Porque é a lei do Wild, e é preciso obedecê-la. O Wild não conhece o que é justiça, conhece apenas a lei do mais forte.

   A terceira parte do livro conta o momento em que o lobinho e a mãe loba deparam-se com uma aldeia de índios. Nessa parte o filhote ganha o nome de Caninos Brancos, pois essa é uma característica física que denuncia a sua descendência canina, vinda mãe, que é metade loba e metade cão. A Loba e Caninos Brancos passam a viver com os índios, e logo o lobinho compreende a superioridade dos seres humanos, descritos pelo autor como deuses. Nessa etapa do livro Caninos Brancos fica sem a mãe, que é levada embora, e passa a aprender o dia-a-dia dos índios e a reconhecer cada vez mais a grandeza dos deuses, que o impressionavam com a grande capacidade que tinham de gerar e aplicar leis, de modificar o espaço ao seu redor da maneira como quisessem, de utilizar e moldar as “coisas mortas” – que é como o lobinho classificara os objetos sem vida – a seu favor. Duas vezes na narração Caninos Brancos teve a oportunidade de abandonar a tribo e voltar ao Wild, que era onde pertencia, porém seu fascínio e entrega pelos deuses era demasiado grande para que pudesse abandoná-los. E, assim, o lobinho terminou de crescer na companhia dos índios.
   Essa etapa da história foi muito importante para definir e moldar boa parte da personalidade do lobo, pois com os índios não conheceu afeição e nem carinho; os índios travavam os cães e os animais como ferramentas de trabalho e não destinavam a eles momentos de calor. Por conta disso, Caninos Brancos cresceu conhecendo rigidamente a obediência e o respeito aos deuses, mas desconhecendo completamente o que seria o amor. Não bastasse isso, Caninos Brancos sofreu o tempo todo a perseguição dos cães da tribo, que pressentiam nele a existência do Wild e o consideravam diferente e perigoso. O lobo então cresceu odiando os de sua própria espécie e se fortalecendo cada vez mais, sempre que precisava lutar contra seus perseguidos.
   Na quarta parte do livro, porém, ocorre uma reviravolta que corta o coração dos leitores. Caninos Brancos é vendido a um homem cruel, que espanca frequentemente o lobo e força-o a lutar em arenas de cães. Para a sorte de Caninos Brancos, entretanto, os anos que passou lutando com os cães da aldeia de índios deram-no força, velocidade, ferocidade e ódio o bastante para sair de cada luta vencedor. Porém, apesar das vitórias, sua vida tornou-se cada vez mais miserável, pois conheceu com esse dono o verdadeiro significado da dor e da submissão.

   A quarta parte acaba logo, para a alegria de todos! E, na quinta parte, Caninos Brancos conhece aquele que é descrito no livro como sendo o mestre do amor. O lobo é salvo por um americano durante uma das lutas e levado embora para um local seguro. O animal, porém, sofrera tanto na mão dos deuses que se manteve desconfiado, arisco e perigoso com o novo dono. Este, contudo, sabia que o pobre animal havia sofrido horrores durante toda a vida e teve a sensibilidade de perceber que não seria do dia para a noite que Caninos Brancos entenderia e aceitaria o que era o carinho e a afeição de um humano. Com grande paciência, então, o americano foi pouco a pouco ensinando ao lobo o que era o amor... E Caninos Brancos passou a amar tanto ao novo dono que não conseguiu mais viver sem ele.
   No final do livro, Caninos Brancos é levado para a Califórnia, onde é domesticado e passa a ter uma vida completamente feliz e cheia de carinhos ao lado do novo dono. O Wild ainda existia dentro dele, e, portanto, não deixara de ser um animal selvagem, porém o amor que sentia pelo dono fê-lo aceitar leis e regras que iam contra o seu instinto outrora indomável. Essa parte do livro tem como interessante a narração da grande dificuldade que Caninos Brancos tinha de expressar esse grande amor que sentia no peito, pois não conseguia ser receptivo, brincalhão e afetuoso como um cão comum. Foi com muito esforço que aprendeu a aninhar-se no peito do dono, em sinal de total e completa entrega e devoção. Caninos Brancos tornou-se o maior companheiro e protetor do dono, e passou o resto de sua vida conhecendo o que era felicidade.
   O livro termina um pouco de repente. Talvez alguns leitores acreditem que tenha terminado sem final, porém foi o final perfeito. A história deixou de ser narrada quando Caninos Brancos encontrou o conforto da vida, quando descobriu que o amor pode ser ainda maior, pois nas últimas frases da narração há a descrição do encontro de Caninos Brancos com seus primeiros filhotes, que teve com uma cadela do dono. E o lobo encontra-se feliz e satisfeito com sua vida.  

   Em resumo, uma narração extremamente gostosa de ler, com o diferencial fascinante de que Jack London não humanizou os pensamentos do bicho, apenas descreveu-os como seriam na cabeça de um lobo. Uma história linda, perfeita para amantes da leitura e para amantes dos animais!
Ayla Pupo