Eu costumava ser

Eu costumava ser

 

Eu costumava ser

 

   Antes eu costumava olhar a natureza em volta, antes eu ouvia o barulho dos pingos de chuva no telhado de barro. Eu lembro que ouvia a cigarra cantar a cada entardecer, sentia o ar fresco da noite, o sol vibrante do amanhecer e costumava a balançar com as arvores quando o vento batia. Tinha como hábito andar descalço, sentia os grãos de areia entre meus dedos.
   Quando criança sentava no chão molhado e desenhava sereias na terra. Plantava feijão na esperança de ver uma arvore crescer e de suas sementes poder desfrutar, a cada nuvem que passava no céu via a esperança de uma forte chuva. Eu costumava acreditar na inocência de uma comunidade, no companheirismo, no meio ambiente e no respeito com quem nos dá vida. Eu costumava tomar banho no balde, a água era sempre limpa, a cuia mostrava o quanto éramos nobres com a mãe terra.
   Em tempo de inverno a mata crescia, os animais voltavam a ter vida e as pessoas começavam a plantar para ter alimento, a natureza costuma ser gentil. As raízes secas sempre ressuscitavam. Cada pingo trazia uma esperança de vida. Uma vida simples, porém grandiosa, tinha um imenso respeito pela mãe natureza, pois sabia que dela dependia.
   Hoje em dia costumo correr sem olhar para onde estou indo, pego metrô e sou levado por uma multidão de cachorros domesticados, que provocam o caos. Antes eu era indivíduo agora eu sou massa, antes eu amava a chuva que me dava o que comer, hoje em dia eu sou engolido pelas enchentes. Eu costumava ser gentil com a mãe terra e ela comigo, hoje em dia ela devolve as ofensas que a dou. Atualmente o relógio não é suficiente para cronometrar meus paços. Os animais da mata eram meus amigos mais próximo, hoje em dia é o despertador que é, ele está sempre pronto a me lembrar que devo ir me juntar a massa para realizar o grande ritual de degradação a natureza.
   Eu costumava brincar e sonhar, hoje em dia só trabalhar e degradar...
 
Marcelo Luiz