Urubus Mentais

 
 
   Em uma mansão ao sul da Finlândia, mãe e filha moravam em paz. A casa ficava próxima a uma floresta de pinheiros que possuía um nevoeiro constante. Dentro da casa, Sophie tocava ao piano a 40 º Sinfonia de Mozart enquanto sua belíssima mãe pintava quadros florais. Ao término, as duas riram, como se estivessem terminado uma deliciosa brincadeira.
   A mãe de Sophie sempre estimulava os pensamentos da filha, fazendo-a criar infinitamente. Personagens, mundos e até universos existiam dentro da mente da pequena garota. Ela levava consigo um bloquinho de notas, onde sempre escrevia suas ideias e pensamentos.
   Perto das quatro horas da tarde, Sophie sempre saia para ler na floresta perto de casa, sua mãe ficava preparando a janta das seis horas. Naquele dia, terminaria de ler o livro que sua mãe havia escrito especialmente para ela.
   Sentou-se perto de um dos pinheiros e se afundou na leitura, horas passaram-se sem que ela percebesse e quando terminou a ultima página, já era quase noite, hora de voltar. O nevoeiro começava a dominar a floresta.
   Caminhando para casa, Sophie nota que há urubus nos galhos de alguns pinheiros a encarando, o número deles parecia aumentar a cada passo, chegando perto de casa, as aves negras pareciam dominar os galhos das árvores e alguns até pousavam no teto de sua mansão.
   Assustada, apressou o passo e entrou em casa, procurando pela mãe, foi até a cozinha e não a encontrou, com panelas queimando no fogo, estranhou. Procurou pela casa inteira, só faltava a sala do piano.
   A pequena Sophie abriu a porta e viu um enorme urubu abaixado, comendo o cérebro de sua mãe, esta que estava caída próxima ao piano. A ave se levantou e abriu suas asas que possuíam mais de três metros de ponta a ponta de penas negras e disse com a mesma voz, doce e delicada, da mãe de Sophie:
   - Vamos brincar filha, seremos ótimas amigas.
   Em disparada, a garota corre, vomita, chora e grita. A monstruosa ave a persegue dizendo:
   - Eu não quero machuca-la, só quero suas ideias. Não seja burra como sua mãe e facilite, prometo que não irá doer. Se for gentil, até posso pensar em te deixar viva.
   Ela vai para a cozinha, pega uma das panelas queimando ao fogo e, mesmo queimando suas mãos segurando com tanta força em ódio, a joga no urubu e o acerta em uma das enormes asas, queimando as penas. A ave agoniza e em seu momento de fraqueza, a garota pega uma faca, corta suas asas e revoltada, diz:
   - Você jamais conseguirá um pensamento meu sequer.
   - Você está errada, eu vou comer tudo que há dentro da sua mente. Não sou a única que deseja seus pensamentos.
   A ave grita em um som agudo e ensurdecedor, outros três urubus entram pela janela da cozinha, quebrando a vidraça. A menina pega uma caixinha de fósforo e corre, quase tropeçando nas próprias pernas, ela sai da mansão e vai para a floresta.
   Milhares de urubus pareciam esperá-la fora da mansão. As aves voavam entre as árvores tentando bicar Sophie. Quantas mais aves ela via, mais rápido ela corria para dentro do nevoeiro, na esperança de não ser vista.
   Já perdida entre a névoa e assustada, ascende uns dos fósforos para enxergar melhor e vê logo adiante uma caverna, ao escutar o som de asas batendo, corre e lá se esconde.
   Chorando baixinho e com ânsia de vómito, Sophie se vê destruída e meio ao caos. Adulta em pensamentos, se reconstrói rapidamente e toma decisões. Recolhe algumas folhas secas trazidas pelo vento e faz uma fogueira. Olhando as chamas, pega seu bloquinho de notas e escreve absolutamente tudo que há em sua mente, mesmo que tivesse que escrever por cima de coisas já escritas, muitas vezes. Transferiu tudo que havia em sua cabeça para o papel e então derrubou três lágrimas, duas pela sua mãe e a outra por seus pensamentos. Jogou o bloquinho de notas na fogueira e assistiu todas suas fabulosas ideias queimarem.
   Não havia mais pensamentos, personagens e muito menos universos em sua mente, estava vazia. Sophie assumiu forma de zumbi, assim, mesmo que comessem seu cérebro, não conseguiriam uma única ideia. Ela sai da caverna de olhar vazio e sem rumo, pouco se importando com os urubus que se aproximavam. Nada mais importava, não fazia sentido viver em um mundo sem ideias.
  
“Ao contrário de todos, a princesa seguiu seu sonho e o conquistou. Era princesa não por ser filha de rei, mas sim porque era dona da própria mente.”
Com amor e carinho, sua mãe.
 
   Essas eram as últimas palavras escritas no livro que Sophie lera naquele dia.
 
 
   

 

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