Reflexões de armário – é tempo de evoluir, é tempo de pensar no que é da nossa conta

03/08/2012 12:11

 

Reflexões de armário – é tempo de evoluir, é tempo de pensar no que é da nossa conta

 

   Esses dias, resolvi arrumar meus armários (sim, mãe, eu faço isso de vez em quando, ok?). Aqueles armários que guardam as lembranças mais antigas, mais bizarras e, muitas vezes, as mais cômicas também. Cartas de juras de amor eterno àquele ex-namorado que meses depois do término do namoro você nem lembrava mais o nome do individuo, boletins da escola com observações dos professores como: ”A Luciana é inteligente e tira notas boas, mas ela fala a aula inteira com os coleguinhas atrapalhando assim o desempenho dos mesmos”- o que eles não entendiam é que eu já era jornalista,  cartinhas “amigas para sempre” de meninas que hoje estão presas por tráfico de drogas, uma entrevista exclusiva com meu pai, aos meus 6 anos, gravada em uma fita com um gravador do tipo do Lucas Silva e Silva em que ele dizia “Sim filha, já falei que o dia está ensolarado, agora deixa o papai prestar um pouco de atenção na estrada, tá?”... e encontrei outras coisitas mais nas profundezas do meu armário.
Em meio às bizarrices encontrei também algumas matérias que escrevi para alguns jornais e dentre elas uma em especial me fez ouvir, aqui, bem pertinho do meu ouvido, uma frase da editora chefe do jornal que dizia mais ou menos isso: Lu, você tem um desafio. Essa matéria vai marcar sua carreira, uma vez que é a sua primeira matéria polêmica, que vai dividir opiniões e você vai mostrar seu dom jornalístico de ser imparcial. Você terá a chance de mostrar pra mim uma matéria completa, com todos os argumentos das partes contra e a favor. Vai e arrebenta. Confio em você. (esse ‘’confio em você’’ me deixou feliz nos 3 primeiros segundos e desesperada nas 24 horas seguintes).
O tema? Adoção...mas não uma adoção trivial. A adoção por casais gays. Lembro-me da sensação. Era uma mistura de gana por um desafio profissional, afinal, pelas palavras da editora, eu seria “testada”, com um medo de fazer algo que ofendesse alguma parte, tanto aos gays como aos que têm uma visão mais conservadora. Queria fazer algo que respeitasse a todos. E consegui. Lendo hoje a matéria, vi o porque fui promovida duas semanas depois dessa publicação.
Em 2004, quando o casamento gay ainda não era oficialmente legalizado, quando a adoção por pessoas do mesmo sexo não era algo, digamos, normal, fiz uma matéria com a opinião de um juiz contra, que justificava que crianças até 3 anos imitam os pais e têm chances de serem homossexuais, seguindo exemplo dos que os criam. Mostrei o contra-argumento de uma bióloga que estuda o caso por ter um irmão gay que dizia que a homossexualidade é uma diferença da combinação de genes, não sendo possível uma “imitação” dos pais. Havia, também, o depoimento de um juiz que era a favor dessa adoção, alegando que aumentariam as chances das crianças terem uma família. E ele foi mais fundo, ele alegou que essas chances aumentariam, também, pois, os homossexuais já sofrem preconceitos e são menos preconceituosos, então, teoricamente, ao adotar uma criança, eles teriam menos preconceitos não ligando assim de adotar crianças negras, mais velhas, com irmãos .
Entrevistei ainda um casal de duas mulheres que adotou um menino e um casal de dois cabelereiros que adotaram uma menina. Menina essa que conheci e tenho certeza que era invejada na escola pelos coleguinhas, pelo seu cabelo sempre hidratado, escovado e bem cortado pelos pais.
Claro, é interessante ver que a lei mudou de lá para cá. Mas é legal, também, ver que, mesmo 8 anos depois,  matéria é recente e dentro de um contexto atual. Evoluímos, mas não tanto assim. Afinal, que diferença vai fazer para o universo hetero,  a legalização do casamento gay? Mas olha a diferença que fez para o universo homo, uma vez que muitos perderam bens construídos durante uma vida, quando o parceiro faleceu e tudo o que estava no nome dele foi para a família? Ou quando adotaram uma criança em nome apenas de um, porque a lei não permitia a adoção por duas pessoas do mesmo sexo, e esse adotante faleceu, ficando a guarda para a família do falecido. Vide caso da Cassia Eller. Seu filho Chicão, criado por ela e sua parceira, quase quase acabou com o pai da cantora, após sua morte. Pai que viu o neto poucas vezes na vida.
Sim, minha matéria é imparcial e não gosto de dar opiniões sobre essas coisas. Mas me fez lembrar o tempo que perdemos com discussões que não são da conta da justiça. O aborto, por exemplo. Não sou a favor e não faria. Mas, depois de sair do país, vi que todos os outros países não perdem tempo em discutir se ele deve ser permitido por lei ou não. Ele é legalizado desde o inicio do século passado na maioria dos lugares desenvolvidos. Quem deve decidir isso é a consciência de quem pensa em fazer. Não cabe à justiça. Cabe ao ser humano.
O mesmo com o casamento gay que diferença isso faz para mim ou para você, no que te incomoda? O que a justiça tem a ver com isso? Tá, a adoção coloca em jogo uma vida, uma criança. Mas será que se dessem a opção para essa criança de ter duas mães ou dois pais, ela preferiria continuar sem nenhum? Criada em um abrigo? Aí penso novamente, será que a lei brasileira não poderia ser mais focada aos que roubam, matam, estupram, etc etc etc?
Uma mulher que decidir abortar uma criança tomou uma decisão com seu corpo e sofrerá as consequências com ele mesmo (um aborto não é algo simples, destrói o corpo da mulher). Além de sofrer as consequências com a consciência. Você pode estar pensando “e se essa mulher não tiver consciência?” e eu respondo “ela não terá consciência para criar uma criança”.
Acho que mais que o ditado ‘’que tempo é dinheiro”, tempo é evolução. Se quisermos ser um país exemplo, o primeiro passo é parar de perder tempo com o que não deve mais ser discutido. E focar esse tempo em educação, saúde, segurança...Eleições chegando.

 

Luciana Garcia