Cada um tem seu cada qual

28/04/2012 21:53

Cada um tem seu cada qual

 

   Acho que lá no fundo todo mundo tem um segredo, uma verdade que é só sua. Nem que for escondidinho, lá, no fundinho das ideias, guardado na cachola ou no coração, temos sempre alguma coisa que só nós sabemos. Às vezes nem nós mesmos sabemos. Uma vontade, um deslize, algo que fizemos contra o que acreditamos. Ou até mesmo que acreditávamos quando fizemos, mas mudamos de ideia ou de ideias. Enfim.
Complicado? Não!
   Joana era uma senhora pequena, magrela, de seus 65 anos insuportavelmente cheios de moral.
   - Mulher tem que zelar pela casa, cuidar bem dos filhos. Tem que passar com ferro o pano de prato (coisa que sempre achei absurdamente inútil, assim como passar meia, toalha e afins). Mulher tem que costurar e usar dedal. Mulher que não usa dedal costura pouco e costura mal – Joana costumava dizer-  Tem que saber cozinhar, deixar sempre a casa impecável, limpar azulejos com álcool. Hoje em dia, a mulher tem que trabalhar fora, mas não pode deixar de lado o marido, a casa e principalmente os filhos. Ah o que tem de criança sem educação nos dias de hoje. E tudo culpa da mãe que é ausente. Antigamente? Não, na minha época não tinha essas coisas. Mulher era mulher de verdade.
   Quando o assunto era casamento, Joana era enfática:
   - A mulher que segura o relacionamento. Homens são assim mesmo, distraídos. E eles traem mesmo. É instinto, eles nem têm tanta culpa. É do homem isso. Pra um casamento dar certo, é a mulher que o segura com sua paciência e espírito materno e também com sua sensualidade na hora certa. Casamento, pra dar certo, a mulher tem que ser submissa. Obedecer e fazer a vontade do marido. Se a mulher faz tudo certo, o homem vai embora pra que? Eles acabam procurando outra sempre, mas se a mulher for uma boa esposa, o homem não vai embora. Se o José tem outra, eu não sei. Mas nunca faltou nada aqui em casa!
   Mas se você quisesse ver Joana virar um bicho bastava dizer que fulana engravidou antes de casar.
   -É o fim dos tempos!!! Como isso pode ser normal? Na minha época os casamentos duravam porque ‘intimidades’ só aconteciam depois do casamento. É!!A gente usava um lençol branco na noite de núpcias. A mancha vermelha provava nossa virgindade.  Onde já se viu, casar de barriga? Essas moças não se dão valor!!!Por isso que os homens são assim. Não respeitam mais. Ah, não consigo nem falar, de tão nervosa que fico só de pensar em uma filha minha pegar barriga antes de casar. Tá ouvindo, Andréia? Isso nunca vou admitir. Faça isso e não será mais a minha filha. 
Até que um dia, sua filha mais velha parou para pensar. Vale descrever Andréia como uma moça de 31 anos, muito bonita, que já havia sofrido muito com as ideias retrógradas da mãe, principalmente as vezes que resolver apresentar algum namorado em casa. 
   Naquele dia, Andréia, pela primeira vez, parou para fazer contas. 
   - Mãe, em que ano a senhora casou? 
   -Casei em Janeiro de 1981. Ah, a cerimonia foi tão linda, entrei de branco, pura igual uma....
   - Mãe...-Andréia deu uma pausa e continuou- você deve ter sido a noiva mais linda de 1981.
   Mas Andréia, na verdade, evitou um constrangimento, coisa que sua mãe nunca fez. Ela nasceu em Abril de 1981, tendo, portanto, sua mãe engravidado em agosto do ano anterior.
   Andréia olhou para o irmão que logo sacou a incoerência da pseudo-moral da mamãe. 
   Antes que o caçula dissesse qualquer coisa, Andréia rebateu:
   - Juninho, cada um tem seu cada qual. 
 
Luciana Garcia