Dinheiro não traz felicidade, não manda buscar, mas bem que dá uma ajudinha.

28/10/2011 21:54

 

Dinheiro não traz felicidade, não manda buscar, mas bem que dá uma ajudinha

Entretida em meus pensamentos, programando meus dias para não deixar nenhuma pendência de lado, já que são muitas na última semana, dias confusos e cheios de expectativas, será que vou conseguir entregar a monografia da pós? Será que serei promovida, já que existe uma vaga? Será que vou conseguir comprar o apartamento até o final do ano? e já no final da Faria Lima o farol fecha e...toc toc toc. Alguém batia em meu vidro.

Confesso que um calafrio subiu pela minha coluna e minha vida passou por meus olhos. Pronto, fui assaltada e minha bolsa está no banco do passageiro, ali, aberta e cheia de coisas de valor (pelo menos valor pra mim): meu celular, óculos escuros e o relógio lindo que comprei na semana passada.

Quando ouço:

- É pau é pedra, é o fim do caminho, quer comprar um pano de prato, moça linda?

Respirei aliviada, mas ainda desconfiada e ele continua:

- Boa tarde moça linda! Vendo pano de prato! Minha mulher, aquela ali, que faz!

- Olha moço. Hoje eu não tenho nada!Nem um realzinho sequer em dinheiro – pior, era verdade! A coisa está feia este mês.

- Nunca diga que você não tem nada, moça! Nunca! Repete comigo: Continuarei na batalha.

Meu sorriso amarelo e ainda desconfiado não me permitiu repetir nem uma palavra da tal frase. Até porque, a gente que mora em São Paulo, convive com o perigo e situações como essas geram certo desconforto, ainda mais olhando a minha bolsa aberta logo ali do meu lado, com todos os meus pertences à vista.

- Moça, estou falando sério!Nunca fale que não tem nada. Repete comigo: Continuarei na batalha.

Nunca um farol demorou tanto para abrir. Acabei repetindo a frase e o verde apareceu.

- Boas vendas!!!

- Deus te abençoe.

Um fato bobo, num farol qualquer de São Paulo, coisas que acontecem diariamente, mas que me fizeram pensar. Primeiro que tenho que tomar mais cuidado. Nunca fui assaltada na vida, mas seria a situação propícia para ser desvirginada nesse sentido. A sorte foi ter deparado com uma pessoa do bem. E outro ponto que me fez pensar foi: realmente felicidade nada tem a ver com grana.

Claro que não estou fazendo uma apologia à pobreza. Vivemos em um mundo capitalista e não dá pra fugir muito disso. Somos movidos a TER e instigados a isso o tempo todo. E acho que temos mesmo que ter, ter o que quisermos ter. É gostoso poder se dar um presente, é uma delícia trocar de carro ou poder escolher uma casa no bairro que quiser. Mas isso tem que ser desvinculado da palavra FELICIDADE. Comprar algo que se queira, é um sentimento momentâneo. E isso não é felicidade, é sim, alegria. Você fica alegre indo ao shopping e não é uma pessoa feliz apenas por poder adquirir qualquer coisa dentro dele.

E vendo aquele homem ali, sem perspectiva nenhuma de conseguir o cargo do gerente que pediu demissão, sem nunca ter imaginado andar de carro, cantava “Águas de março” enquanto vendia panos de prato e estreitava sua relação com os motoristas de Pinheiros.

Acho que o dinheiro traz algumas alegrias, mas tudo tem os dois lados. Ou você acha que se este homem tivesse um carro e fosse a época de pagar IPVA ele estaria assim, cantarolando Tom Jobim na esquina? Se tivesse a casa própria, ele teria que pagar IPTU, luz, água, guarda noturno.  Isso é preocupação e gera incomodo. Ter uma mansão parece perfeito,mas com ela também vem problemas: o jardineiro que faltou, o copeiro que não está trabalhando bem, a babá que pediu demissão, o flat de Búzios que disparou o alarme.

Este senhor tem sim outros tipos de preocupação. Se ele não vender panos de prato naquele dia, provavelmente ele não terá o que comer. Ele acorda cedo e pega ônibus lotado. Fica doente e vai ao hospital público. Nem é examinado e recebe alta. Seus filhos estão na 8ª série e não sabem a tabuada do 5, e olha que essa é fácil eim!

São proporções diferentes de problema, mas o problema mais grave é sempre o nosso. Olhando de fora, podemos dizer que o pobrezinho que não tem o que comer, sofre mais. “Ele sim tem problemas sérios” (frase de avó, quando você toma um pé na bunda daquele namorado que você era apaixonada e acha que o mundo vai acabar). Passar fome é sim um problema sério, claro.  Mas o milionário que perdeu seu jardineiro, não vai sofrer o problema do outro. A ferida mais dolorida é a sua...e digo mais, a atual. Problema resolvido não é mais problema, é apenas uma recordação dele.

A verdade é que felicidade é meio pessoal e inexplicável. Como explicar a depressão, por exemplo? Síndrome do Pânico? Stress? Ansiedade?  Talvez esses males tenham vindo com o capitalismo, porque nada mais são do que a angústia de não atingir suas expectativas. Ou você já viu um morador de favela com depressão? Um morador de rua com Síndrome do Pânico? Mas também, não ter expectativas é não progredir financeiramente e não poder ter a alegria de trocar o carro, que também é bom.

Por isso a importância de desvincular a felicidade do dinheiro. Felicidade tem que estar em coisas gratuitas: amigos, família, conviver e aprender com as pessoas, sentar num boteco e dividir a conta de 6 reais. O verbo TER, também conta, é bom, satisfaz. Na TPM então, nada melhor do que adquirir. Mas TER tem que ser apenas complemento. Os dois maiores espetáculos da vida são gratuitos: o nascer e o por do sol. E não é papo de hippie, experimenta pra ver!

 

Luciana Garcia

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