Você é o que você ouve

29/09/2012 00:27

 

Você é o que você ouve

“Ter na vida algum motivo pra sonhar, ter um sonho todo azul, azul da cor do mar”

   Dia 28 de setembro de anos distintos nasceram duas pessoas que marcaram muito a minha vida: minha avó, que tenho verdadeira paixão e que fez 92 anos de pura saúde e o mestre Tim Maia. O segundo marcou minha vida em vários momentos, aliás, duvido alguém da minha geração não ter chorado a primeira fossa ao som do Tim ou nunca ter dançado a dança da vassoura na adolescência ao som de “e eu, gostava tanto de você....”. Para quem não lembra, a dança da vassoura acontecia nas festinhas adolescentes da geração dos anos 80, na qual durante a música os casais dançavam juntos (juntos modo de dizer porque esticávamos os braços nos ombros dos garotos para eles não aproximarem o rosto de nossos rostos) e uma pessoa que estava com a vassoura podia entregá-la para outra pessoa e trocar o casal. Perdia quem terminava a música com a vassoura, geralmente o mais nerdinho ou a vítima de bulling. E só pra fazer um adendo, encontrei com o “senhor das vassouras” da minha época, há uns 3 anos, e ele está fisicamente semelhante ao Brad Pitt e é um médico super bem-sucedido.
   Mas voltando ao assunto, longe de mim um papo saudosista de “na minha época tudo era melhor”, até porque não sou tão velha. Mas, em relação à música, na minha época era melhor mesmo.  As crianças tinham opção: Balão Mágico, Trem da Alegria, Luan e Vanessa, Jairzinho e Simony. Músicas para criança! Hoje pela manhã estava vendo uma matéria sobre o fim da novela das empreguetes. Não estou criticando a novela, até porque achei um barato, mas, vendo a matéria, percebi que o grande público foi a criançada. Tem milhares de clipes no you tube com as versões miniaturas das domésticas famosas. Existe decoração para festas de aniversário das empreguetes. Sim! Dá pra acreditar? Entre opções como Cinderela, A Bela e a Fera, Branca de Neve, temos também as empreguetes. Acho sim que a figura das clássicas princesas deixam as meninas alienadas, submissas e esperando um príncipe pro resto da vida (até porque eles realmente passam longe de existirem). Mas, se repararmos nas letras das empreguetes, elas não são para crianças. Adolescentes talvez, mas crianças não. 
   Isso sem contarmos o fracasso da música brasileira (e Koreana rs) com sucessos como Camaro Amarelo e tantas outras afins. Letras que dizem que as pessoas têm que ter dinheiro para as outras se interessarem. Ou se não têm dinheiro e vivem em humildes residências com o cartão zerado devem saber fazer um bom lelele, seja lá o que for isso. Aliás, adorei a observação do Luciano Huck para os cantores dessa música “A letra do  lelele me faz lembrar Fernando Pessoa”. Uma crítica sútil igualzinha a um soco na boca do estômago e acreditem, eles não entenderam. O pior foi constatar que a observação de minha irmã (sertaneja) é real “Lu, e você acha que Fernando Pessoa ganhou a grana que esses caras ganham?”. 
Gênios mereciam essas fortunas, essa legião de seguidores:  Oswaldo Montenegro, Arnando Antunes, Nando Reis, Renato Russo, Los Hermanos,  porque não? Até o próprio Tim Maia não viveu tão bem quanto Michel Teló. 
   Bandas saíram de cena subitamente. Cadê Paralamas, Jota Quest, Skank, Titãs? Cadê a tradicional MPB? Supostamente, não seria isso que deveríamos exportar? MPB=Música Popular Brasileira. Você vai para pra Inglaterra, eles têm orgulho do Cold Play e do Queen, pra Itália da Laura Pausini, na Espanha do Alejandro Sanz, na Argentina do Tango de Gardel. E é muito orgulho. E você? Tem orgulho do Ai se te pego? Sim, é isso que exportamos! É por ela que somos conhecidos lá fora. E muito conhecidos! Estava em um tour pela Europa com uma excursão de jovens australianos e fiquei numa saia justa quando, tocando Gustavo Lima e você, um deles grita  “Brasil Brasil” e me pede para traduzir a música. Fiquei com vergonha. Traduzi como algo do tipo “Ah, ele está na beira do mar, olhando as estrelas e diz que a luz das estrelas lembra os olhos da amada”. Sei lá, pensei um pouco na letra da música Estrela, do Gilberto Gil. Linda, Poética e da qual eu gostaria que meu país fosse representado para o mundo.
   Gostaria mesmo de pensar que é só uma fase. Que essas composições não retratam o povo brasileiro ou pior, o malandro brasileiro, o jeitinho brasileiro. Que as pessoas não acham realmente bonito gostar de uma pessoa pelo seu carro ou jogar uma namorada no fundo da Fiorino. Espero que, nos próximos anos, talentos sejam revelados e que possamos ver nascer uma nova fase, uma nova tendência.
   Enquanto isso, vou aumentar o som no Tim Maia e pedir uma luz para Nossa Senhora da Boa Música.
 
Luciana Garcia