Dentro de cada coração de pedra há uma pérola.

 

   Antônio tentar parecer normal, porém, seu segredo desponta pouco a pouco. Ele ri, mas não gargalha, parece triste, mas não chora. Quando está feliz, seus olhos não brilham. Tudo parece igual, corriqueiro.

   Antônio não sente nenhuma emoção.

   Acorda no mesmo horário diariamente, repete todos os seus atos sistematicamente. Os filmes ajudam a passar o tempo e as notícias on line deixam as desgraças cada vez mais banais. Assassinatos, estupros, tortura e a justiça falha não o abalam. Não é com ninguém, de sua família, nem algum conhecido, então, não precisa se importar. De tão imensa que é a sua decepção com a vida, nem as pequenas delícias de um almoço caprichado o alegram. Reclama de uma dor nas costas que está mais freqüente, mas como não morrerá disso, não busca um tratamento. Os filhos estão encaminhados na vida, pagam até suas contas. Se diz orgulhoso, mas não é de coração. Por que meu filho prefere administração à arquitetura?

   Nem lá, nem cá. Vida morna.

   Hoje, sem querer, se deparou com uma notícia de pouco destaque: “Sem teto em estado terminal realiza o último desejo: rever seu cão”.

   Não fazia a menor diferença se o homem havia morado anos e anos na rua, muito menos se ele tinha um câncer de pulmão e apenas uns poucos dias de vida. Para Antônio, que era praticamente um robô, aquilo tudo fazia parte da vida.

   No final da reportagem havia a foto de um grande cachorro, sem raça definida, deitado numa cama de hospital, envolto por braços magérrimos de um homem que mal podia respirar.

   Ao ver a atitude do cão eternizada naquela foto, os olhos de Antônio começaram a arder e foi possível escutar aquelas duas pequenas pérolas caírem no teclado.

   Horas depois, o homem morreu.

 

Thais Petranski

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