Maria Angélica: a saga de uma terrorista brasileira

Maria Angélica: a saga de uma terrorista brasileira

 

Nota da escritora: As minhas críticas e comentários podem e certamente irão conter muitos spoilers sobre a história. Se não quiser sofrer com isso, leia o resumo da crítica no início da página.
 
Maria Angélica: a saga de uma terrorista brasileira

Autor: Celso Dossi
Editora: Vermelho Marinho
Primeira publicação em: 2011
Resumo da crítica: A narração conta a história de Maria Angélica Bonaqueto Prates, uma brasileira exorbitantemente rica que, ao voltar para o Brasil depois de anos vivendo na Europa, se depara com um país imundo, sem modos, sem educação e sem classe. Revoltada com tudo o que vê e ouve, resolve punir esse paisinho sem desenvolvimento algum e traça planos de ataques terroristas por toda a cidade de São Paulo. Há quem diga que ninguém nasce mal, pois o mal é criado ao longo da vida. Celso Dossi deixa bem claro em sua obra que existem, sim, pessoas que nascem más e com a alma tão cruel quanto o diabo, e essa maldade já aflora desde os primeiros anos em terra. Há que se relatar um pouco da falta da verossimilhança em alguns aspectos da história, como a total incapacidade da polícia perante inúmeros ataques na cidade, porém esse problema acaba sendo camuflado pelas inúmeras referências dadas pelo autor da cidade de São Paulo. Todos os ataques aconteciam em bairros e ruas conhecidos na metrópole, e esse é um recurso que faz com que a história parece mais real, além de trazer à memória do leitor momentos do livro sempre que este passar por um desses pontos. Em resumo, é um livro de leitura rápida, vocabulário fácil e gostoso, que demonstra habilmente a mente de uma sociopata obcecada por um objetivo nobre, mas que acaba se perdendo em sua mesquinhez. Nas palavras do próprio Celso Dossi, “é mais fácil parar um trem em movimento do que uma mente obcecada”. Um livro que não repousa em minha estante de favoritos, mas que valeu o tempo gasto ao ser lido.
 
Crítica completa:
   Esse foi mais um livro que comprei na Bienal do Livro de São Paulo de 2012. Por ser de um autor novo e desconhecido, também estava sendo vendido por um preço muito baixo e, ao ler a sinopse, não resisti de leva-lo para casa.
   A narração conta a história de Maria Angélica Bonaqueto Prates, uma brasileira exorbitantemente rica que, ao voltar para o Brasil depois de anos vivendo na Europa, se depara com um país imundo, sem modos, sem educação e sem classe. Revoltada com tudo o que vê e ouve, resolve punir esse paisinho sem desenvolvimento algum e traça planos de ataques terroristas por toda a cidade de São Paulo.
   É um livro de leitura rápida, vocabulário fácil e gostoso. Possui alguns erros de revisão, talvez por ser de um autor novo e a editora não ter dado a devida atenção a essa importante etapa da publicação, mas são realmente bem poucos e não atrapalham em nada a leitura do mesmo.
   A história pode ser divida em algumas partes bem específicas. A primeira delas conta a infância de Maria Angélica, que demonstrava tendências sociopatas desde bebê. Ainda pequena, maltratava animais, humilhava os parentes, as empregadas da casa, as professoras e os colegas de classe. Muito sagaz já tão novinha, manipulava as situações e sempre saia impune, o que também era favorecido pela superproteção da mãe, que se recusava a enxergar as maldades causadas por aquela menina tão linda. Em suas crueldades, Maria Angélica chegou inclusive a matar a tia-avó de sua mãe, quando descobriu que a pobre velha estava com a saúde fraca e proibida de comer sal ou gordura; com essa informação, passou a espreitar pela cozinha todos os dias para, sorrateiramente, colocar montes de sal e manteiga na comida da senhora, que acabou por ter um infarto e falecer muito antes da hora. A fase da infância de Maria Angélica é muito interessante, pois nos choca ao demonstrar que uma criança, que deveria ser tão inocente, pode ser verdadeiramente má. Há quem diga que ninguém nasce mal, pois o mal é criado ao longo da vida. Celso Dossi deixa bem claro em sua obra que existem, sim, pessoas que nascem más e com a alma tão cruel quanto o diabo, e essa maldade já aflora desde os primeiros anos em terra. No final dessa fase da narração, a menina é levada para a Europa com menos de sete anos de idade e retorna ao Brasil apenas treze anos depois para o casamento de um dos irmãos.
   Na segunda fase do livro acontece uma terrível tragédia. Ao descer no Aeroporto de Guarulhos, Maria Angélica é recepcionada por policiais que lhe dão uma terrível notícia: toda a sua família havia morrido em um acidente durante o percurso que faziam para ir busca-la em seu retorno. Chocada com o acontecimento, Maria teria se trancado na residência da família no Jardim Europa por quatorze anos, enquanto traçava um plano para maltratar e punir “toda a população brasileira que, segundo ela, merecia sofrer algumas lições muito drásticas para aprender a ter educação, elegância e respeito ao próximo”. O autor afirma que muitos acreditam que a história de Maria Angélica, a maior terrorista que o Brasil já conheceu, não passa de uma lenda urbana, dando a impressão de que a narração realmente trata-se de algo que poderia ter acontecido. Durante essa fase do livro, a terrorista começa a arquitetar seus planos, contrata um braço direito, Jonas, muito presente e importante durante toda a narração, e recruta membros para seu grupo, que variam de bandidos altamente procurados na sociedade a pequenos marginais ou jovens revoltados por qualquer motivo. Sua antiga mansão no Jardim Europa passa a ser um Quartel e Maria Angélica designa seus convocados a várias tarefas, que são executadas em vários dias diferentes. Esta foi uma parte do livro que me custou a ler, pois achei bastante desinteressante e desnecessária a descrição de como Maria Angélica procedeu com essas convocações e com a transformação de sua casa em um enorme Quartel. Bastava o esclarecimento de que ela era podre de rica e de que dinheiro faz milagres, dessa forma a narração poderia já passar direto para a ação sem a enrolação de como o grupo se formou.
   Durante as tarefas dadas aos convocados, ocorre a execução de milhares de pessoas na  cidade. Os ataques são sempre motivados por algo que existe na metrópole e irrita profundamente Maria Angélica. Por exemplo, a primeira tarefa de seu bando foi matar algumas pessoas aleatórias e pendurar em postes pela cidade, pois todas as cidades de primeiro mundo usam fiações subterrâneas e estas “são a maior constatação de que um país não é digno de viver”. O segundo ataque foi jogar pessoas no rio Tietê para que essas morressem afogadas nas águas podres do rio, pois “uma cidade que trata seus habitantes como excrementos não merece estar no mapa”. Os próximos ataques são, em sua maioria, motivados por causas, de certa forma, nobres, como se Maria Angélica realmente estivesse revoltada com a inferioridade do Brasil de terceiro mundo que conhecia, porém, a meu ver, os ataques da terrorista foram perdendo o sentido conforme a narração. Em um dos ataques, irritada com a falta de classe das pessoas, Maria Angélica ordena que matem todos que estiverem usando sapato com salto de acrílico, madeira ou cortiça, e tênis de mola. O que não faz o menor sentido, pois esse tipo de calçado não é exclusivo do Brasil, sendo utilizado, inclusive, na adorada e refinada Europa que Maria Angélica tanto idolatra. Outros ataques completamente desnecessários acontecem e, por tal motivo, fiquei um pouco desanimada com a leitura, pois demonstrou que a personagem tinha uma psicopatia completamente sem sentido, usando como desculpa esfarrapada a ideia de que tencionava curar o Brasil do que o impedia de se tornar um país de primeiro mundo; a protagonista pretendia apenas aniquilar tudo o que a irritava e utilizou o país como cenário e alvo. Há também que se mencionar o fato de que praticamente não houve ação efetiva da polícia, e eu achei que seria impossível tantos convocados (que chegaram a mil e quinhentas pessoas) saírem praticamente ilesos, ainda que estivessem espalhados pela cidade. Algum haveria de ser capturado e teria dedado o local do Quartel e qual era a pessoa por trás dos planos. O que não acontece em toda a história, tirando um pouco de crédito da mesma pela falta de verossimilhança, em minha opinião, essencial em uma narração como essa.
   Na terceira fase do livro, Maria Angélica se frustra com a sua organização, pois não havia sofrido retaliações de nenhuma espécie, ninguém sequer havia descoberto que ela era a pessoa por trás de tudo e, o pior, tudo o que ela havia apontado como errado na cidade através dos ataques, simplesmente não mudou, tornando toda a sua ação em um movimento em vão. Por conta disso, Maria Angélica simplesmente botou fogo em seu Quartel com todos os convocados e funcionários dentro e deixou viver apenas Jonas, seu braço direito, e mais dez bandidos perigosíssimos, que foram designados a causar atentados a outras cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O que mais me irritou na narração foi que, de repente, nesses últimos ataques ordenados por ela, todos os dez bandidos foram presos pela polícia, algo que não aconteceu com nenhum dos mil e quinhentos convocados que ela queimou no Quartel, confirmando a falta de realidade da narração.
   Na última fase da narração, Maria Angélica e Jonas são raptados por um homem que os atacara duas vezes anteriormente na história. Esse homem, conforme vem a se explicar, era um garoto que havia sido constantemente humilhado pela terrorista durante a infância dela, quando os dois eram crianças. Quando ficou sabendo do retorno de Maria Angélica ao Brasil, passou a seguir os passos da mulher, colocando, inclusive, sua esposa como funcionária do Quartel para coletar informações. Ele planejava torturar os dois e, em seguida, mata-los, e eis que acontece a parte da narração que mais me decepcionou. Clélio, como chamava-se o raptor, decide tortura-los com “As 10 Maiores Festas Brasileiras Que Uma Rica Prepotente Tem Que Conhecer Antes de Morrer”, e uma sequência de 10 festas com roupas e danças típicas são apresentadas na frente de Maria Angélica, como o Festival Folclórico de Parintins, a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, e, inclusive a Oktoberfest de Blumenau, que é, na verdade, uma festa tipicamente alemã e não brasileira. O pior: a tortura dá certo, fazendo com que a protagonista grite de agonia ao ver tamanho mau gosto. No final das contas, Maria Angélica e Jonas conseguem escapar, porém são novamente encontrados e, nas últimas páginas do livro, a terrorista é perseguida pela Avenida Paulista pela mulher de Clélio; ambas acabam invadindo o prédio da Gazeta, sobem na antena da torre e, enfim, a história acaba com três versões do final, pois não se sabe ao certo o que aconteceu com a maior terrorista que o Brasil já conheceu. Na primeira versão, Jonas é condenado a mais de trinta anos de prisão, Maria Angélica é morta pela esposa de Clélio, e esta última acaba virando heroína nacional por revelar e matar a responsável por todos os ataques terroristas que os paulistanos haviam sofrido nos últimos meses. Na segunda versão, Jonas mata a mulher de Clélio e, temendo sofrer retaliação da terrorista, por quem era perdidamente apaixonado, acaba matando-a também, suicidando-se envenenado logo em seguida. Nessa versão, a esposa de Clélio acaba sendo responsabilizada pelos ataques terroristas e Maria Angélica e Jonas são considerados apenas mais duas vítimas, sendo, inclusive, adorados e amados por muitos que acharam sua história de amor linda e comovente. Na terceira versão, Maria Angélica e Jonas fogem e, apesar dos ataques terroristas terem sido associados a eles, ambos permaneceram foragidos indefinidamente.
   Um ponto que muito me agradou no livro foram as inúmeras referências dadas pelo autor da cidade de São Paulo. Todos os ataques aconteciam em bairros e ruas conhecidos na metrópole, e esse é um recurso que faz com que a história parece mais real, além de trazer à memória do leitor momentos do livro sempre que passa por um desses pontos. Será difícil, para mim, passar em frente ao rio Tietê sem pensar nos cadáveres das pessoas boiando em sua superfície. Um artifício que sempre me alegro de ver os autores utilizando e, talvez por isso, que me satisfaz tanto ler autores brasileiros e novos, pois suas histórias parecem sempre mais próximas de nossa realidade que a história de autores estrangeiros.
   Em resumo, um livro fácil de ler, que demonstra habilmente a mente de uma sociopata obcecada por um objetivo nobre, mas que acaba se perdendo em sua mesquinhez. Nas palavras do próprio Celso Dossi, “é mais fácil parar um trem em movimento do que uma mente obcecada”. Um livro que não repousa em minha estante de favoritos, mas que valeu o tempo gasto ao ser lido.
Por: Ayla Pupo.