Pintura envenenada

Pintura envenenada

 

Pintura envenenada 

 
 
   O garotinho de bruço... Estava chorando e com as lágrimas pintando uma tela, fazendo de sua própria dor uma aquarela. Quando de repente ele foi arrancado de sua ilusão por uma mão pesada e estranha. Ele não entendia direito o que estava a se passar, pois  estava de costas quando sua camisa foi rasgada, estraçalhada junto com o desenho.
   Em tamanha dor ele só pensava em vingança, atacar estraçalhar da mesma maneira. Aquela era uma vida confusa, na qual não se sabia direito o que se fazia. Se a arte realmente valia a pena, era viável deixar a dor emocional afundar uma vida? Deixar uma certa dificuldade atrapalhar um artista? Suicídio  nunca! Assassinato? só se for o da ignorância. 
   Pobre garotinho, sentado sem abrigo, dormindo em um ninho esbaldado de cobras venenosas. Enquanto ele pintava emocionado, elas cantavam a música da inveja, enroladas destinadas a estraçalhar aquele menino. Elas se rastejaram até o tripé da pintura, com aqueles dentes afiados jorraram veneno em todo quadro. Ele não fazia mal a ninguém, estava apenas tendo sonhos e os transformando em uma certa arte. Quando o veneno se misturou com a tinta, ele enxergou a rasão daquela pintura. A vida é doce e amarga, ela é impiedosa e amorosa.
   Frustração para o menino da camisa rasgada e  do quadro envenenado. Naquele momento ele provava o gosto azedo da inveja, sentia na pele o frio da amargura e enxergava no espelho lágrimas brotando dos seus olhos. Ao fundo, ele ouvia as gargalhadas desembestadas das cobras envenenadas. Num piscar de pensamento ele se imaginou, esfaqueando aquelas cobras. Assassinar a ignorância ao pé da letra. Porém uma luz brilhou em seus olhos o fazendo enxergar a verdade.
   “Transforme a dor em arte, faça-as enxergar... pegue todo o veneno que escorre delas, e misture com suas tintas,  assassine a ignorância usando-a ao seu favor, pinte a vida como ela é: linda e decadente. Cante mais alto que elas, e mostre como a força de um artista supera a inveja das cobras enrustidas.”
   Assim falou a voz.
 
Marcelo Luiz