O Príncipe

O Príncipe

 

Nota da escritora: essa resenha não irá conter o item “resumo da crítica” por não se tratar de um livro de ficção. Quanto ao conteúdo da mesma, caso algum estudioso venha a ler esse texto e encontre alguma informação em desacordo com o real, por favor, não se acanhe e faça um comentário a respeito. É importante para mim e para o leitor que aprendamos sempre.
O Príncipe
Autor: Nicolau Maquiavel
Editora: Escala
Escrito em: 1513
Capa:

 

Crítica:
   Nesta semana, minha resenha falará sobre o famosíssimo livro de Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”. Altamente estudado ainda nos dias de hoje, Maquiavel não é nada mais nada menos que o pai da política moderna. E, sinceramente, acredito que o bendito mereça com honras esse título, pois li o livro recentemente como exigência de um professor na faculdade, e este foi, provavelmente, um dos livros de leitura obrigatória que mais me fez agradecer por ser obrigada a ler.
   Maquiavel escreveu a sua obra em uma época de grande instabilidade política na Itália e dedicou-a ao Magnífico Lourenço, regente do Estado na época. Ela tem por objetivo principal ensinar, através de inúmeros exemplos da história e de reflexões pessoais, quais seriam as maneiras mais eficazes de se manter um príncipe no poder. Maquiavel tem como ponto marcante o fato de descrever como o governante deve agir considerando-se o Estado como ele era efetivamente, e não como ele deveria ser, como ocorre nos discursos de tantos outros autores, tal qual Thomas Hobbes.
   O livro inicia-se com a classificação dos tipos de principado, sendo eles hereditários ou novos; os hereditários provenientes da linhagem direta do rei antecessor, e os novos provenientes de conquistas ou de um membro reunido a Estado hereditário. Deve-se considerar o fato de que é sempre mais difícil manter um Estado com principado novo.
   Sobre a conquista dos novos Estados, Maquiavel faz observações com relação às características dos mesmos. Afirma que, caso o novo Estado conquistado possua costumes e línguas semelhantes ao Estado conquistador, é preciso apenas que se extinga a linhagem do antigo príncipe e que, simplesmente, não se modifiquem as leis e os impostos. Quando, porém, o Estado conquistado diverge muito do Estado conquistador, é preciso tomar algumas atitudes, como o novo príncipe ir habitar o novo Estado e organizar colônias ao redor dele, que irão protegê-lo e sairão muito mais em conta que manter uma força de armas no local, pois isso prejudicaria todo o Estado com a troca de alojamento das tropas. Deve-se, além disso, o novo regente defender os mais fracos sem aumentar-lhes a força, enfraquecer os poderosos do antigo Estado e impedir a entrada de algum estrangeiro que lhe seja tão poderoso quanto. Há ainda outra opção, que seria a total destruição do Estado conquistado, pois, de acordo com Maquiavel, “nenhuma garantia de posse é mais segura do que a ruína”.
   Deve-se levar em contra, entretanto, que existem tipos diferentes de governos nos Estados que podem vir a ser conquistados, e esses tipos modificam, também, a estabilidade que o novo príncipe poderá enfrentar. O governo do Estado que pretende-se dominar pode possuir duas estruturas básicas. Se é governado por um príncipe e seus servidores, tem grande dificuldade em ser conquistado, porém, uma vez dominado, não é difícil mantê-lo. Isso acontece porque o Estado a se conquistar estará unido e forte, o que torna-o difícil de ser vencido, porém, após enfraquecido e sem possibilidades de recuperação de suas defesas, a única preocupação que se resta é a de eliminação da linhagem do príncipe, sendo este o único a exercer domínio sobre o povo. Após a vitória, o povo passa a temer o novo regente e, dessa forma, mantém-se o poder sem maiores preocupações. Já se um Estado é governado por um príncipe e por barões, pode ser facilmente tomado, porém é altamente dificultoso de se manter. Isso ocorre pois nessa estrutura de governo o príncipe não é a única figura a exercer poder, influência e respeito sobre o povo; cada um dos barões possui seus próprios súditos, e o príncipe não tem poder o suficiente para desonerá-los de seus cargos. A conquista desse Estado dar-se-ia facilmente através da aliança com algum barão descontente, porém, ao subir no poder, o novo príncipe teria que se deparar com os outros barões, que poderiam voltar-se contra ele. A solução seria a total destruição desses barões ou a capacidade de satisfazer-lhes de alguma forma; caso contrário, o novo príncipe cairá tão brevemente quanto subiu ao trono.
   Para haver a conquista desses principados, Maquiavel ainda conta que existem muitas maneiras de fazê-lo, e usa para descrevê-las duas qualidades que um príncipe pode ter: a fortuna ou a virtú. Caracteriza-se por fortuna a sorte, os contatos sociais, as oportunidades de vida, as posses, o status e o destino favorecido; já a virtú, é caracterizada por uma virtude e uma capacidade destacáveis no governante de controlar os acontecimentos regidos pela fortuna. E, utilizando-se de uma delas, ou de ambas, ou de nenhuma, o autor cita quais as formas de conquistar um principado, sendo elas: pelas armas e com nobreza, pelas armas e com virtudes alheias, pelo crime, pelo principado civil, e pelo principado eclesiástico. Do primeiro, pode-se afirmar que o maior motivo para a conquista foi devido à virtú, a capacidade própria, o valor inerente ao conquistador, e não à fortuna; nesse caso, a conquista do principado é feita com dificuldade (por conta da falta de fortuna), porém é fácil mantê-lo (por conta da virtú do conquistador). Do segundo, a conquista dar-se-á pela fortuna, e não pela virtude, ou seja, conquista-se através de virtudes alheias; nesse caso, a conquista do principado é fácil (pois é proveniente do esforço de terceiros), porém mantê-lo torna-se difícil (pois o conquistador não possui virtú própria). Do terceiro, a conquista não ocorre nem por virtú e nem por fortuna, mas sim pela maldade, usando-se de meios que vão diretamente contra as leis humanas e divinas. É um modo de conquista extremamente violento e que flagela bastante o povo, porém Maquiavel afirma que, sendo necessários os flagelos e as torturas, é preciso, para manter o Estado conquistado, que se façam as ofensas de uma só vez, assim não será preciso repeti-las seguidas vezes; aos poucos, é preciso, também, que se deem benefícios ao povo e aos súditos, substituindo-se gradativamente a dor pela satisfação. Governando-se bem, é possível mantê-lo com certa tranquilidade. Do quarto, sobe-se ao cargo sem, necessariamente, virtú ou fortuna, mas sim com astúcia. Ocorre quando os poderosos ou o povo elegem um cidadão e colocam-no no poder, sendo este mais facilmente mantido quando o cidadão é escolhido pelo povo, e não pelos poderosos, pois Maquiavel afirma que o povo é representado por numerosa população, o que lhe dá força. Do quinto e último, afirma-se que é conquistado por virtú ou por fortuna, mas mantêm-se sem nenhuma delas, pois são regidos pela religião; a Igreja possui influência tão intensa, que o príncipe pode reger da maneira que bem entender e o Estado permanecerá seguro. Formam-se, assim, os Estados papais.

   O livro ainda aborda que, para manter o principado, é preciso que se tenha abundância de homens e dinheiro para que haja a construção e manutenção de um exército próprio, não podendo-se ter um exército de mercenários nem de auxiliares, muito comuns na época. Isso se dá pelo fato de que tropas mercenárias são muito eficientes em épocas de paz, porém, vindo a guerra, acovardam-se e fogem. As tropas auxiliares, aquelas enviadas por algum poderoso em auxílio ao príncipe, também são ruins, pois são inteiramente dedicadas em obediência a outra pessoa. Além disso, sendo vencedoras, acabam tornando o príncipe auxiliado “prisioneiro” do dever para com o príncipe que enviou as tropas. Como escrito pelo próprio Maquiavel “as armas alheias ou te caem pelas costas, ou pesam sobre ti, ou te sufocam”. Dessa forma, a maior garantia de um príncipe é possuir forças próprias. O autor ainda salienta que, mesmo em tempos de paz, o príncipe deve manter o seu pensamento sempre voltado para a guerra, seja através da ação (mantendo o exército em constante exercício, reconhecendo os terrenos do próprio reino, formando táticas de defesa e etc.), seja através do pensamento (lendo histórias de outros países e aprendendo com os erros e acertos dos outros). Um Estado nunca estará seguro se o regente não estiver sempre preparado para o perigo.
   Maquiavel também diz que, como os homens são todos naturalmente negativos e cheios de defeitos, é preciso que se saiba reinar através do mau, conforme a necessidade. É preciso levar em consideração que muitos defeitos são capazes de salvar e manter o reino, assim como muitas virtudes são capazes de arruiná-lo, e, portanto, defeitos nem sempre são pontos negativos, assim como qualidades nem sempre são pontos positivos. O príncipe deve preocupar-se em ser amado e temido, porém, não sendo possível atingir os dois, é melhor que seja temido, pois os homens ofendem mais facilmente aquele que amam do que aquele que temem. Não deve, entretanto, ser odiado – o que não acontecerá se o príncipe não retirar posses e mulheres dos cidadãos e súditos, e se houver sangue derramado apenas em casos em que houve severa justificativa e causa – nem desprezado – o que não ocorrerá caso não seja volúvel, leviano, covarde e efeminado.
   Com relação às virtudes, ainda afirma-se que, não possuindo todas, o príncipe deve contentar-se em, ao menos, fingi-las. Deve aparentar ser piedoso, fiel, humanitário, íntegro e religioso, porém deve saber ser cruel e impiedoso quando necessário. Há ainda que se tomar cuidado com relação às conspirações, e não há maior proteção contra essas do que ser amado pelo povo.
   A obra vai chegando ao fim quando Maquiavel afirma que todo príncipe deve modificar o seu modo de agir conforme as variações e particularidades do tempo. E ainda afirma que todos os males que a Itália vinha sofrendo tinham que ocorrer para que esta pudesse vir a conhecer um príncipe italiano de valor capaz de reerguê-la e governá-la sabiamente. Termina sua obra recomendando ao dedicado da mesma que comece seu principado provendo a Itália de um exército próprio e forte !
    Há ainda muitas outras abordagens e considerações muitos importantes que Maquiavel faz por todo o livro, intercalando-as sempre com exemplos “modernos” ou antigos, demonstrando erros e acertos cometidos por governantes durante a história. Por muitos anos Maquiavel não foi devidamente compreendido, o que é claramente demonstrado através da expressão “maquiavélico”, oriunda de seu nome, e que descreve uma pessoa, ato ou circunstância que seja fria, calculista, sem sentimentos e má. Nicolau Maquiavel nada mais queria além de conseguir manter uma estabilidade em um Estado completamente sofrido e prejudicado pela inconstância, e, para atingir-se esse propósito, uma mão dura e firme fazia-se necessária. Maquiavel acreditava, inclusive, que, após instalado um principado forte e que traga prosperidade e paz ao Estado, é possível a implantação de uma República, que seria impossível existir em um Estado em desordem. Afirmar, portanto, que Maquiavel era adepto da tirania é um grande equívoco, pois ele defendia uma ética política onde o governante não deve cair em simples maldades ou oportunismo político. Maquiavel separou, em sua obra, a política da moralidade tradicional, imposta pela religião, mas isso não dava licença absoluta para que o rei fizesse o que bem entendesse.
   Concluo, dessa forma, que Maquiavel merece cada uma das grandes considerações que recebe ainda hoje, pois suas análises políticas, escritas há cerca de 500 anos atrás, ainda se fazem extremamente atuais e podem ser frequentemente aplicadas em governos de hoje em dia. Foi, certamente, um livro que valeu cada segundo gasto para ser apreciado e compreendido. Uma obra interessante e, por que não dizer, inspiradora...

 
Ayla Pupo