Depoimento de um Boneco

 

 

   Eu toco o piano dia e noite sem parar, estudo as partituras, as teclas, os sons, tudo o que me disseram para estudar. Falavam que um dia eu me tornaria perfeito, mas este dia nunca chegou. Me disseram que se eu aprendesse mais cinco línguas eu seria perfeito, mas eu nunca me senti perfekt, parfait, perfetto, perfecto ou perfect. Agora eu começo a pensar que tudo isto é falso. Aulas de ballet, de etiqueta, tive até aulas de sorriso. Sempre me falaram para fazer isto ou aquilo para me tornar perfeito, mas nunca me perguntaram se eu queria ser perfeito.
   Casa de plástico moldada pela falsidade de um artesão, pessoas fazendo poses de manequins, mentiras que vem dos sorrisos das estrelas. Não tente me demonstrar, mas nada aqui é perfeito, nem mesmo eu.
   Máquinas fazem todo o trabalho, mas só fazem porque não conseguem sorrir. Ainda bem, se não seriam falsas como uma passarela. Plástico pode durar anos quando jogado fora, só é menos durável que algo imperfeito. Guerras são consideradas as escórias da humanidade, mas o que fica nos livros de história se não toda as cagadas feitas pelos homens?
   Cada um tentando ser perfeito ao longo da vida, assim como eu. Tentando ser perfeito ou tentando se tornar um boneco? Sim, porque já vi manequins que não estavam nas vitrines. Já vi casas de plástico que não eram em miniatura. Já li livros que não falavam de céu no final da história.
   Não é o perfeito de hoje o ridículo de amanhã? Ou o incompreensível de hoje a mais perfeita obra de arte feita no amanhã?
   Como vidro, como espelho, como ilusão de óptica, como uma certeza de que o verdadeiro está dentro e não fora, que o vácuo está cheio de vazio, que uma partitura não pode ser feita sem notas musicais. Não é o pensamento a arma mais poderosa? Cria ilusões, revela o que se quer ver e esconde os medos que a mente tem como paixão.
   Não seria a verdade ocultada por todo o filosofo que a perfeição é na verdade tão banal e comum que se passa pela veia de toda a criatura? Passa pelo ar, pelo rio e até pela luz? Não seria imperfeito todo o julgamento e perfeita toda a criação? Onde falou que a perfeição é inatingível se já nascemos assim?
   Não somos nós, humanos, os maiores criadores? Mas também não somos nós os maiores julgadores? Se estamos entre a perfeição e a imperfeição, não seria isto o equilíbrio entre as duas partes e fazendo de nós assim, perfeitos? Não seriamos nós imperfeitos ao tentar atingir a perfeição e perfeitos a admitirem que somos imperfeitos? Não seriamos nós bonecos ao julgar uma criação ou criar um julgamento?
   Manequins, papel verde, casas de plástico, passarelas, como eu queria ver tudo isto sendo queimado nesta noite. Por que precisamos de formas se já somos moldados? Por que precisamos de plástico se possuímos pele? Por que precisamos de uma passarela se podemos criar nossos próprios caminhos? Por que precisamos de dinheiro sendo que ninguém pode ser comprado?
   Por que insistimos em fazer de estrelas bonecos que desfilam como manequins, aplaudir os risos de plásticos, venerar o julgamento instantâneo e, não menos pior, sonegar a perfeição involuntária de todos. Talvez seja porque escolhemos se queremos ser perfeitos ou imperfeitos. Bonecos não tem esta escolha. 

 

 

 

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Comentários:

Boneco

Ruby | 04/04/2012

eu so quero me tornar parecido com os bonecos mas essse texto me abrio a mente, de certas formas gostei.

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