DNA

 

   Em uma das inúmeras possibilidades de futuro, a humanidade se tornou obsessiva pela perfeição. A existência da humanidade foi valorizada ao máximo e as tecnologias evoluíram a partir disto. “Extremistas da perfeição” julgavam o ser humano o único animal digno de se viver no planeta, consequência disto, todos os outros que não fossem capturados e educados eram exterminados.
   As florestas eram mantidas em imensas estufas com estrutura para oferecer a quantidade correta de raios solares para que elas crescessem e produzisse o oxigênio puro, este que era vendido para a população em forma de máscaras que faziam parte da moda atual.
   As cidades evoluíram e cresceram em arquitetura e dimensão. Considerando o vidro o material mais perfeito, por sua transparência e resistência, quase tudo era feito dele, ruas, casas, roupas e carros. A moda era manipulada por poucos e exclusivos que ditavam a maneira perfeita de se vestir, qualquer outra maneira era considerada inapropriada e até criminosa.
   A comida era perfeita, feita quimicamente para conter todos os suprimentos que o corpo humano precisava para evoluir corretamente e controlar o peso de maneira exata. A beleza era considerada uma obrigação. Casas de cirurgias e beleza eram as mais buscadas pela sociedade.
   O sexo deixou de ser considerado uma atividade vital de reprodução e foi considerado apenas uma atividade prazerosa. Os cientistas não julgavam mais o esperma e nem o óvulo perfeitos, estes eram feitos em laboratórios que geravam o DNA com características escolhidas pelos futuros pais. O feto era criado em maquinas que simulavam a placenta, era importante que o casal não tivesse nenhuma ligação sentimental com o bebê, pois se ela nascesse com algum tipo de imperfeição, era jogada fora para morrer e produziam outro.
   Um dia, passado nove meses, um casal recebe a notícia de que seu filho nasceu e espera para ser levado. Eles então vão até o laboratório para encontrar com o bebê e fazer o julgamento se ele estava perfeito. Esperando ansiosos pela chegada do filho, a enfermeira traz a criança enrolada em um tecido leve de vidro nos braços e entrega para a mãe. Descobrindo a face do bebê, ela nota algo errado e faz uma reclamação:
   - Os olhos dele estão esverdeados. Nós pedimos azuis perfeitos e não esverdeados! Esta criança está imperfeita em meu consentimento.
   Com naturalidade, a mãe devolve o bebê para a enfermeira que o leva embora. A própria enfermeira que é a encarregada de matar a criança. O casal faz a reclamação e se prepara para mais nove meses de espera até conseguirem ter um filho perfeito.
   Naquela mesma noite, no final do expediente, a enfermeira sai do laboratório agarrada à sua bolsa, esta que aparentava estar mais cheia que o normal. Ela caminha apressada e assustada até sua casa. Segura em seu lar, finalmente retira o bebê que não conseguiu matar de dentro da bolsa e coloca-o em sua cama. Olhando para aqueles olhinhos esverdeados, que lembravam o mar, considerou-o perfeito.
   Ela foi contra a lei, contra seus princípios, contra tudo e todos, mas simplesmente não fazia sentido matar aquela criança. Então ela prometeu que seria sua nova mãe e que o protegeria do mundo perfeito.
   Os anos se passaram e a criança cresceu escondida em casa sob os cuidados de sua carinhosa mãe, não conhecia o mundo lá fora. Foi ensinado a não se preocupar com a perfeição das coisas, logo tudo era considerado simples ou complicado, apenas isto, aceitava tudo que lhe era dado, as roupas, os brinquedos, qualquer coisa.
   Sua mãe ficava impressionada como ele usava da imperfeição para fazer coisas tão belas e simples, ele possuía milhões de possibilidades em sua cabeça e não só uma que fosse considerada perfeita, logo sua mãe começou a aprender a pensar em possibilidades e não em perfeição.
   Quanto mais ele crescia, mais curioso ficava sobre o que havia fora de casa, perguntou como o mundo era e sua mãe respondeu:
   - Algumas vezes eu fico sem saber como te responder, não sei ao certo o que há lá fora, tudo parece fazer parte de uma mentira escrachada, tudo parece tão falso, não sei mais o que há lá fora. Não sei mais desde que tive você.
   Outro dia, sua mãe lhe mostrara um livro com imagens do mundo antigo, de natureza, aquela que já não existia. Em uma foto de uma árvore com flores amarelas ele disse:
   - Esta imagem é perfeita.
   Espantada, sua mãe perguntou:
   - Mas por que você considera esta simples imagem perfeita?
   - Não sei, talvez por sua simplicidade, por sua cor, não sei explicar, parece ser perfeita apenas do jeito que ela é.
   Como alguém que, não sabia o que era a perfeição, poderia julgar algo tão simples perfeito? Sua mãe se questionava em o que acreditar. Naquele mesmo dia, de noite, a polícia tocou a campainha de sua casa, assustada, mandou seu filho se esconder no quarto e não fazer nenhum barulho.
   Ela abre a porta e eles já a algemam e perguntam onde esta a criança roubada. Olhando pela fechadura da porta, ele resolve fugir, abre a janela e sai correndo de casa. Desorientado e sem nenhuma noção, percebe o mundo em seu desespero, tudo parecia ser tão assustador, chora e não sabe o que faz. Sem ter para onde ir, resolve buscar aqueles lugares que viu nas imagens que sua mãe lhe mostrara.
   Andava pelas ruas olhando as pessoas com o mesmo vestido, todas iguais, resolveu perguntar para uma mulher que lhe encarava:
   - Por que vocês são todos iguais?
   - Iguais? Nós somos perfeitos! A perfeição é única. Você deveria aprender a se vestir, pode ser preso por andar sim.
   - Por que eu seria preso por me vestir assim?
   - Pergunta tola, não te ensinaram nada? A imperfeição pode ser considerada crime e você está se vestindo de maneira imperfeita, o suficiente para ir preso.
   O menino volta a correr, mesmo ofegante, continua a fugir para o mais longe possível daquilo tudo, acabou sendo capturado por policiais que o levaram para a delegacia e em seguida para a prisão. Sozinho e com medo, esculachado pelos guardas perfeitos, zombavam dele de todas as formas.
   Com o tempo, começou a ficar cada vez mais agressivo, sendo conhecido como “Monstro”. Recusava todo o tipo de perfeição e ficou fascinado pelas imperfeições que o faziam único, diferente de todos os outros. Um dia ele foi espancado pelos guardas, quebrando seus dois braços por inteiro, danificando sua máscara de oxigênio e deixando vermelhidões por todo o corpo. Na sala de cirurgia, colocaram muletas nos lugares dos braços, sua máscara foi substituída por uma que envolvia toda a face e formava um DNA em cima da cabeça e seus hematomas foram cobertos por placas de vidro.
   Exilado por todos, considerado monstro e vaiado por sua ideologia, foi condenado à morte, em direito a dar suas últimas palavras, perguntou:
   - Se a perfeição é única, porque sou considerado imperfeito se sou único em meio a tantos iguais?

 

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