Linhas Negras

 
   Atraindo o olhar de todas as pessoas ao caminhar pelas ruas, vestindo um chamativo sobretudo branco e óculos de lentes brancas que esconde seus olhos, um homem chama a atenção. Não é estrela de cinema e muito menos um famoso, e lógico, ele não queria ser famoso também. Caminhava com aquela roupa com apenas um propósito: o de atrair olhares.
   Não era querer chamar atenção, era de ver os olhos das pessoas que o olhavam, ver as cores, as marcas e expressões que o tempo deixara. A cada olhar, linhas diferentes apareciam e contavam histórias do passado, seja ele alegre ou triste, ele via e decifrava os códigos.
   Ele acreditava que todos possuíam linhas que contavam as histórias tristes, que acabaram em choro ou depressão e ele as chamava de “Linhas Negras”. Por isto que queria atrair os olhares, para ver estas linhas que o fascinavam tanto, desde como as pessoas ocultavam com um falso sorriso até como elas escrachavam com um carregado lápis preto.
   Pessoas que nunca choraram, possuíam uma marca negra ao redor dos olhos, como se fosse uma depressão, pessoas sempre sorridentes possuíam certo inchaço embaixo dos olhos, quem não era feliz com o que fazia tinha marcas negras nas pálpebras e quem chorava muito tinham os olhos mais avermelhados e linhas desenhadas nas laterais da face.
   O irônico é que ele gostava de ver os olhos dos outros, mas os seus, escondia com um óculos branco e jamais os mostrara para alguém. Um dia, ao entrar em uma catedral procurando por olhares carregados de linhas negras, encontrou ninguém, esta vazia, caminhou até o altar e no silêncio absoluto, ouviu um eco de choro.
   Andou até uma porta que parecia abafar o triste som e a abriu, escadas e mais escadas em espiral levavam até o andar de cima da catedral, chegou a um lugar cinza e com colunas que davam passagem ao vento. Com seu negro vestido balançando com a brisa, uma mulher de cabelos escuros sente o gosto de suas próprias lágrimas.
   Com os pés bem na beirada, a moça aparenta querer pular, mas antes, ela olha o homem que chegara para vê-la morrer. Ele em si fica paralisado, não pela situação, mas sim pelos desenhos dos olhos da moça, que possuía linhas tão escuras e demarcadas que o faziam lembrar uma rosa. Era uma marca única de extremo sofrimento e ao mesmo tempo, um desenho tão lindo.
   Os dois se olharam por um tempo, não se sabia o que poderia acontecer, ela poderia pular e ele nunca mais ver aquele olhar tão fascinante ou ele poderia salvá-la. A cada instante que se passava, mais penetrante as linhas ficavam em seu olhar e a rosa parecia florescer. Ao menor sinal que ela deu de saltar, ele interrompeu:
   - Olhar de flor com traços de rosas, ao mesmo tempo em que é triste é belo. Sofrimento disfarçado em beleza, lágrimas recitando o passado. Por que tirar a vida de algo que não a conhece mais?
  Ele começou a se aproximar lentamente da moça que ainda chorava, quando estava a cerca de dois metros de distância dela, a bela jovem decide pular e antes que o ultimo olhar fosse trocado, ele corre para segurá-la pelo braço e a impede de morrer, olhando para baixo, seu óculos sai do rosto e cai rapidamente até o chão, onde se despedaça.
   A moça se segura assustada na mão do homem e ao olhar para ele vê que seus olhos possuíam marcas únicas, pareciam desenhos ao redor dos olhos que lembravam um cravo, mas não em preto e sim em branco.
   Ele a puxa para dentro da sala e os dois ficam no chão por um tempo, a moça, ainda fascinada por aquelas linhas, pergunta:
   - O que há em seu olhar que transmite luz?
   - Há o mesmo que no seu transmite escuridão. Há alma.
   Como o Cravo que nasceu para complementar o perfume da Rosa, aquela vida nascera para salvá-la da morte. Quando um olhar complementa o outro, o mundo para, o tempo muda e o sol aparece. Para aquele novo casal, nada mais importante que estar sempre no reflexo do olhar um do outro. Nada menos complexo do preto e branco formarem o perfeito equilíbrio. Nada mais complexo do que um amor traduzido em olhares. Nada mais impressionante que linhas negras preencherem linhas brancas. Em uma infinidade de possibilidades, seria aquele som triste de choro que atraíra futuros bons sons de risadas. Que “tudo ficaria bem” não era mentira e sim a maior das certezas. 

 

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